“O Distrito Federal também é a unidade da federação com a maior proporção de pessoas sem casa própria. Mais de 53% das famílias da capital dependem de aluguéis, conforme a PNAD Contínua de 2022.”
Pedro Bruno | Brasília (DF)
Moradia é um direito no papel, mas a vida real mostra outro lado. Desde o início, a luta dos comunistas defendeu que todo trabalhador tenha, na lei e na realidade, um lugar digno para viver. Para o governo de Ibaneis Rocha (MDB), que está no poder no Distrito Federal desde 2019, e para a classe que ele serve e protege, moradia é uma mercadoria.
Nossa capital é profundamente desigual. Ocupa, historicamente, as piores posições nacionais, o DF tem atualmente a terceira maior disparidade de renda dos estados brasileiros, conforme a PNAD Contínua de 2023, do IBGE. O Lago Sul, frequentemente apontado como o bairro mais rico do Brasil, apresentou uma renda domiciliar média superior a R$ 31 mil, cerca de 15 vezes maior do que na Estrutural e no Sol Nascente, dados da PDAD de 2021, do Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPE-DF).
No mesmo ano, mais de 10% das residências estimadas do Distrito Federal estavam em déficit habitacional. Isso significa que mais de 100 mil moradias do quadrilátero eram improvisadas, apresentavam condições precárias, estavam superlotadas ou tinham aluguéis sufocantes, superiores a 30% da renda de seus moradores. Dos residentes que vivem nessas condições, quase metade apresenta algum grau de insegurança alimentar.
Aluguéis proibitivos e infraestrutura precária
O DF também é a unidade da federação com a maior proporção de pessoas sem casa própria. Mais de 53% das famílias da capital dependem de aluguéis, conforme a PNAD Contínua de 2022. A PNAD 2021 já indicava, três anos atrás, que quase 80% da população do DF ganhava até 5 salários mínimos (R$ 5.500, à época), sendo que a faixa de até dois salários mínimos (R$ 2.200, à época) representava mais da metade da população do quadrilátero.
Para a maioria dos brasilienses, alugar um imóvel de cem metros quadrados seria impossível em boa parte da cidade, especialmente nas regiões centrais. O valor médio do metro quadrado no Distrito Federal atingiu o recorde de R$ 44,59, sendo que alguns bairros da capital constam na lista dos mais caros do país, segundo dados da plataforma Wimóveis para janeiro de 2024.
A segregação espacial dos trabalhadores do DF é histórica. Nos anos 1970, a “Campanha de Erradicação de Invasões” (CEI), produto da ditadura militar, deu origem à Ceilândia, maior bairro do DF, com mais de 18 mil moradias em déficit habitacional. Ao longo das décadas, nos seus arredores, formou-se a comunidade do Sol Nascente, que o Censo de 2022 apontou como a maior favela do país, hoje mais populosa que a Rocinha.
A formalização da comunidade como a 32ª Região Administrativa pouco fez para amenizar sua dura realidade, compartilhada pelas cidades do Brasil e da periferia mundial do capitalismo. Quase metade das vias não é pavimentada e apenas 38% possui drenagem pluvial, segundo a PDAD 2021, do IPE-DF. Buracos, entulho e esgoto a céu aberto fazem parte da paisagem cotidiana desses lugares, enquanto espaços culturais, árvores e faixas de pedestres inexistem para 85% dos moradores. Itens básicos para o bom funcionamento de qualquer comunidade são prioridade apenas nas regiões mais ricas da cidade.
Situação de rua e violência policial
Talvez a face mais cruel do capitalismo seja vivida pelas suas quase oito mil pessoas em situação de rua. Privadas de condições básicas e excluídas de uma socialização digna, elas representam, no Distrito Federal, a maior porcentagem de todas as unidades da federação, como evidenciam dados do relatório de 2023 sobre População em Situação de Rua, do Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania. Cerca de três em cada mil pessoas vivem à sombra dos monumentos modernistas de Brasília, à margem de um projeto de futuro que não as contemplou.
O desamparo das milhares de famílias em situação de rua é uma potente ameaça que paira sobre toda a classe trabalhadora, um lembrete constante de que o desemprego é sempre uma possibilidade. A essas condições extremas, junta-se a brutalidade típica da Polícia Militar, a única presença do Estado que muitas pessoas sem-teto conhecem. As ordens de desocupação de Ibaneis foram diretamente responsáveis pelo despejo truculento de ao menos sete comunidades. Os alvos iam de acampamentos provisórios até ocupações populares, como a Casa Ieda Delgado, do Movimento de Mulheres Olga Benario, violentamente desmantelada em 2022.
Esse tratamento, historicamente racista e militarizado, contrasta com a mansidão do governo diante das ilegalidades de grileiros e condomínios particulares, que frequentemente usam terras públicas para construir e vender propriedades. Existem pelo menos 500 condomínios irregulares ocupados por população de baixa, média e alta renda na capital, segundo o Conselho Regional de Corretores de Imóveis do DF.
Ibaneis Rocha e o fascismo
Pouco antes de tomar posse, Ibaneis Rocha comprou a casa mais cara já vendida no DF, no Lago Sul. Avaliada em R$ 23 milhões, a enorme mansão, e seu terreno de 10 mil metros quadrados, representam um luxo inalcançável pela maior parte da população do Brasil e do mundo, mesmo depois de vidas inteiras de trabalho. Proprietário de escritório de advocacia e de um patrimônio próximo a R$ 80 milhões, o governador está entre os 0,1% mais ricos do mundo, conforme as faixas de renda e riqueza do World Inequality Report 2022.
Ainda que não chegue perto das grandes fortunas do país, Ibaneis Rocha é agente político da burguesia, e se colocou a serviço de seus elementos mais reacionários. Relativamente desconhecido até as eleições de 2018, ganhou apoio considerável ao se alinhar com o fascista Jair Bolsonaro. Desde então, ele governou para o capital, com o desprezo pelos trabalhadores tão característico do ex-presidente. No dia 8 de janeiro, enquanto golpistas se amontoavam na Praça dos Três Poderes, a polícia manteve a distância e permitiu a destruição do patrimônio público. Apesar de se esquivar da devida punição, a sua omissão criminosa o situou publicamente como cúmplice de Bolsonaro na tentativa de golpe fracassada e resultou no seu afastamento temporário do governo.
A experiência socialista
A cinco mil quilômetros de Brasília, nas águas quentes do Caribe, temos outra história. Uma colônia explorada por cinco séculos, não muito diferente do Brasil, Cuba foi libertada pelo seu povo em 1959 e é governada por trabalhadores desde então. A missão do império estadunidense imediatamente tornou-se destruir a Revolução. O pequeno país sofre um bloqueio econômico há mais de 60 anos, que o impede de comercializar normalmente com o mundo. Todos os anos, as Nações Unidas votam esmagadoramente contra a medida ilegal, mas os Estados Unidos continuam tentando sufocar o povo cubano.
Ainda assim, com uma economia sitiada e recursos escassos, Cuba não abandona o seu povo. Existem quase 4 milhões de moradias, para uma população de 11 milhões, com cerca de três pessoas por unidade, dados do Perfil da Moradia de 2021, da ONU Habitat. Cuba não é um país rico, mas o relatório reconhece que, apesar das dificuldades materiais, ninguém em Cuba mora na rua.
Cada povo tem a sua luta a travar contra o sistema que destrói a humanidade. A falta de habitação e o déficit habitacional no Brasil não são uma falha do capitalismo, mas suas consequências naturais. Os milhares forçados a viver nas ruas são o produto de um sistema feito para gerar lucro para alguns, e não dignidade para todos. Apenas a classe trabalhadora pode salvar a si mesma. No nosso país, os trabalhadores do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) fazem parte das forças revolucionárias que constroem as fundações de um futuro justo, no qual todos terão onde viver. Outro mundo é necessário. Outro mundo é possível.