UM JORNAL DOS TRABALHADORES NA LUTA PELO SOCIALISMO

sábado, 24 de maio de 2025

Papa Francisco partiu deixando legado de esperança para os despossuídos da Terra

Leia também

O Papa Francisco morreu no amanhecer do último dia 21 de abril, aos 88 anos de idade. Deixou um legado de luta em favor dos pobres e desfavorecidos.

Edival Nunes Cajá*


O Papa Francisco morreu no amanhecer do último dia 21 de abril, aos 88 anos de idade (1936-2025), vítima de um acidente vascular cerebral (AVC) e insuficiência cardíaca. Jorge Mario Bergoglio (seu nome de batismo), era argentino e membro da Congregação dos Jesuítas. Foi sepultado fora dos muros do Vaticano, na Basílica de Santa Maria Maggiore, em Roma, no dia 26 de abril.

O primeiro papa filho das Américas encerrou sua missão depois de “combater o bom combate” contra as forças conservadoras e reacionárias incrustadas no Estado do Vaticano e nos demais Estados opressores do mundo. Combateu as ditaduras militares, as torturas e as mazelas do sistema capitalista, como a fome e as guerras. Defendeu a prática dos direitos humanos e acolheu os imigrantes. Morreu lutando para mudar a Igreja e o mundo.

“Todas as nações têm o direito de existir em paz e em segurança e seus territórios não devem ser atacados ou invadidos. A soberania deve ser respeitada e garantida pelo diálogo e pela paz, não pelo ódio e pela guerra.” Assim, o Papa apelou por diversas vezes, defendendo o imediato cessar-fogo, o fim do genocídio do povo palestino, praticado pelos governos nazi-terroristas de Israel e dos EUA, e da guerra da Ucrânia, onde a Rússia ocupa parte do seu território, confrontando-se com tropas da Ucrânia e da Otan, com a sustentação bélica e financeira dos EUA.

O Papa também defendeu a Teologia da Libertação e suas comunidades eclesiais de base perseguidas pelas ditaduras da América Latina e diversos governos dos EUA. Com firmeza, o Papa Francisco assumiu a luta em favor dos povos deslocados pelas guerras e pela fome, que se tornaram legiões de imigrantes na Europa. Combateu, ao mesmo tempo, a devastação do meio ambiente, do ecossistema que ameaça a vida em todo o planeta, unicamente para atender a insaciável sede de lucro dos grandes capitalistas proprietários dos conglomerados imperialistas da mineração, da indústria e do agronegócio.

O único papa que teve a coragem e a franqueza de se autocriticar: “Eu também cometi meus erros, rezem por mim, eu também preciso de penitência”, disse Francisco ao conversar com os presos da maior e mais violenta penitenciária da Bolívia, denominada Palmasola, em Santa Cruz de la Sierra (10/07/2015).

O Papa, ao longo de sua gestão, criticou fortemente a Igreja pela sua cumplicidade com a escravização dos povos africanos e indígenas nas Américas, como também os crimes de pedofilia de membros da Igreja, o desvio do seu caminho, que, desde o ano de 312 d.C., no reinado do imperador romano Constantino, deixou de estar do lado dos pobres, que têm sede e fome de justiça, para ficar do lado dos colonizadores e capitalistas exploradores dos povos originários e dos trabalhadores.

Por todos esses gravíssimos pecados, o Papa Francisco pediu perdão a Deus e autorizou a bênção da Igreja à união de casais homoafetivos, o batismo de seus filhos e condenou a homofobia, o machismo e a misoginia.

“E não havia nenhuma pessoa necessitada entre eles”

Quando um cardeal dos EUA acusou Francisco de comunista, um jornalista argentino o indagou, e o Papa respondeu, ironizando o rótulo: “Minha carteira de identidade é Mateus 25. Leia Mateus 25 e veja se quem escreveu não era comunista. ‘Tive fome e me deste de comer, tive sede e me deste de beber, estive nu e me vestiste’. Essa é a regra de conduta”, afirmou.

Numa entrevista publicada no jornal La Republica (Itália, 11/11/2016), ao ser questionado sobre uma possível sociedade de inspiração marxista, Francisco respondeu: “São os comunistas os que pensam como os cristãos. Cristo falou de uma sociedade onde os pobres, os frágeis e os excluídos sejam os que decidam. Não os demagogos, mas o povo”.

“Não havia nenhum necessitado entre eles, porque os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam os valores correspondentes e os depositavam aos pés dos apóstolos; então se distribuía a cada um conforme às suas necessidades.” (Atos dos Apóstolos, 4:34-35)

De fato, no Evangelho de Mateus, como também no de Marcos, e, principalmente, nos Atos dos Apóstolos, livro do Novo Testamento da Bíblia católica, há vários relatos da saga do cristianismo primitivo que retratam bem o longevo esforço de parte da humanidade, com experiências concretas de tentativas de construção de uma nova sociedade, a sociedade dos iguais, a sociedade comunista, mesmo que de forma utópica, não científica, como que formando, assim, a infância do movimento comunista.

Para compreendermos melhor o valor dessa experiência histórica, da luta de classes daquela época, recomendamos o estudo de um texto de Friedrich Engels. Trata-se de sua Introdução (datada de 06 de março de 1895) ao livro As lutas de classes na França de 1848 a 1850, obra sociológica clássica de Karl Marx.

Também se pronunciou sobre esta temática tão importante um dos mais destacados apóstolos desta causa, a causa do comunismo, o companheiro Ernesto Che Guevara: “Quando os cristãos se atreverem a dar um testemunho revolucionário integral, a revolução latino-americana será invencível, uma vez que, até agora, os cristãos permitiram que sua doutrina fosse instrumentalizada pelos reacionários. Os cristãos devem optar definitivamente pela revolução e muito especialmente em nosso continente, onde é tão importante a fé cristã na massa popular. Mas os cristãos não podem pretender, na luta revolucionária, impor seus próprios dogmas, nem fazer proselitismo para suas igrejas; devem chegar sem a pretensão de evangelizar os marxistas e sem a covardia de ocultar sua fé para assemelhar-se a eles”.

A busca da coerência entre teoria e prática

Não foi à toa que o Papa Francisco recusou morar no luxuoso apartamento do palácio do Vaticano para morar nos simples apartamentos da Casa Santa Marta, onde moram os bispos que trabalham no Vaticano, e determinou a abertura de uma grande área para atender às necessidades dos sem-teto, moradores em situação de rua da cidade de Roma, com banheiros, barbearia, máquina de lavar e secar, fogão, café da manhã e dormitório para até 30 pessoas.

Portanto, o grande legado do primeiro Papa latino-americano é da maior importância para os explorados e oprimidos da Terra, pois ele lutou coerentemente para retomar as pegadas de Jesus de Nazaré, do Movimento dos primeiros cristãos; lutou, quase solitariamente, para a reformulação da arcaica e autoritária estrutura da Igreja, que ainda perdura.

Que os cardeais encarregados da elevada responsabilidade de eleger o novo papa ouçam os clamores de milhares de crianças órfãs da Faixa de Gaza, dos milhões de imigrantes da terra; esperamos que os senhores cardeais se compadeçam dos condenados da terra à fome, pois o sistema capitalista mata atualmente, no mundo, 11 seres humanos de fome por minuto, segundo estudos da Oxfam.

Diante da morte do Papa Francisco, enormes pressões das várias instituições das potências imperialistas pesam enormemente sobre os membros do próximo Conclave de cardeais que elegerá o novo Papa da Igreja Católica. Porém, dialeticamente, vossas eminências reverendíssimas hão de receber também o impacto da santa pressão que parte de milhares de Comunidades Eclesiais Bases e das forças progressistas de todo o mundo. Muito maior foi a pressão dos açoites das instituições do Império Romano e seus centuriões sobre Jesus e seus seguidores para que eles abandonassem o projeto histórico da salvação dos pobres, a construção de um reino de justiça, amor e igualdade para todos. 

É verdade que se pagou o mais elevado preço, porém, a ressurreição venceu a morte. A causa da justiça ficou mais forte e mais elevada, com o rubro estandarte da causa agora tinto de sangue de um homem santificado pelo povo, pela força e beleza da causa, assumida radicalmente, em favor da emancipação da humanidade.

Foi a profunda convicção e fé de Jesus e de seu coeso grupo de fervorosos revolucionários, de dedicação integral ao sagrado projeto de construção do novo reino de justiça e fraternidade entre os homens e mulheres da terra, que os fizeram vencer as inúmeras tentações de fuga, ameaças de prisões e o medo da morte.

Assim, conquistaram a imortalidade de seu mestre por meio do seu renascimento encarnado nos homens e mulheres organizadas no Movimento, dispostos a darem a sua própria vida pela sagrada causa que abraçaram: propagar a Boa Nova mundo afora aos cativos e explorados, até alcançar a libertação de toda a humanidade da tirania do império e do capital em todo o planeta.

Cristãos e comunistas devem dar-se as mãos pela causa

Na década de 1840, Karl Marx e Friedrich Engels, dois jovens talentosos, geniais, da Alemanha, que estudavam e pesquisavam a História da sociedade humana e da natureza, compreenderam que, para alcançar uma sociedade onde “todos tenham vida e vida em abundância”, não bastavam a oração e o apelo à compaixão. Por isso, criaram o materialismo dialético e histórico, a ciência social, descobriram a causa da pobreza e a possibilidade de acabar com ela e suas consequências.

Os dois jovens comunistas revolucionários lançaram, no dia 21 de fevereiro de 1848, na Inglaterra e na França, o Manifesto do Partido Comunista, com o programa para a libertação da classe trabalhadora da cidade e do campo, pelo caminho da luta de classes e da ciência histórica, a fim de  alcançar  o mais belo sonho que o homem já sonhou, o comunismo, que agora saiu do plano da utopia para o terreno da conquista científica e política, realizável somente como “obra da própria classe trabalhadora”.

Por isso, a necessidade histórica da construção do Partido Comunista Revolucionário (PCR) no Brasil, e em todos os países do mundo, assim como os cristãos buscaram levar a Boa Nova de uma sociedade sem explorados nem exploradores, o reino de Deus na Terra, para todos os países então conhecidos. “Ide por todo o mundo”, dissera o Mestre aos seus apóstolos.

O marxismo-leninismo concretiza isso, cimentado na mais profunda unidade entre seus membros e entre os Partidos irmãos, amigos e aliados, entre os quais consideramos os cristãos verdadeiros, numa ação arraigadamente ligada com a classe operária e as massas trabalhadoras da cidade e do campo. Somente levando à prática a consigna “Proletários de todos os países, uni-vos”, é possível vencer o sistema capitalista imperialista, a causa da pobreza, da miséria, do fascismo e das guerras.

Foi essa a razão que levou Manoel Lisboa de Moura a dedicar todas as suas energias e inteligência ao habilidoso trabalho de criação do PCR, em maio de 1966, mesmo sob a mira da ditadura militar fascista. Foi por isso que ele morreu, sob terríveis torturas, assim como Jesus de Nazaré no Gólgota, sem sequer murmurar, no terrível calvário do DOI-Codi do IV Exército Brasileiro, em Recife, no dia 04 de setembro de 1973, para que o Partido não morresse e continuasse trabalhando com os operários na sua organização pelo futuro comunista da humanidade.    

Os verdadeiros cristãos, os que não aceitaram a transformação do Movimento de Jesus numa Igreja de apoio à opressão dos impérios e do capital, compreenderam que a luta de classes é o motor dessa transformação histórica e se engajaram na luta ombro a ombro com os comunistas revolucionários em diversos países, sem renunciar à sua fé. Essa união, como disse Che Guevara, torna invencível a luta revolucionária. No campo dos verdadeiros seguidores de Jesus de Nazaré se encontrava (com os limites inerentes ao cargo) o Papa Francisco, que agora fez sua passagem para a imortalidade.

 

*Edival Nunes Cajá é ex-preso político, sociólogo, presidente do Centro Cultural Manoel Lisboa e membro do Comitê Central do PCR

 

Matéria publicada na edição impressa nº 312 de A Verdade 

More articles

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Últimos artigos