O machismo dentro das organizações revolucionárias enfraquece a luta, afasta mulheres e reproduz estruturas opressoras. Líderes como Samora Machel, Alexandra Kollontai e Clara Zetkin já alertavam que não há revolução possível sem o combate ao patriarcado.
Chantal Campello | Cabo Frio (RJ)
MULHERES – A luta revolucionária exige coragem, firmeza ideológica e organização. Mas ela também exige uma ruptura radical com os valores e práticas herdadas da sociedade burguesa, entre elas, o machismo. A manutenção de relações patriarcais dentro das fileiras de um partido revolucionário é uma contradição grave, que enfraquece a organização, afasta as mulheres da luta e reproduz estruturas opressoras que deveriam estar sendo combatidas.
Samora Machel, líder revolucionário de Moçambique e comandante da luta contra o colonialismo português, já afirmava: “A emancipação da mulher não é um ato de caridade, não é um favor que se concede. A libertação da mulher é uma necessidade fundamental da revolução, uma garantia da sua continuidade e um preceito da sua vitória”.
A revolução não pode ser construída apenas com discursos, é preciso transformar de forma concreta as estruturas sociais e políticas, assegurando que as mulheres se organizem nas fileiras do partido e assumam papéis de liderança em todos os espaços.
No dia a dia da organização, o machismo se manifesta de maneiras que muitos homens sequer percebem, mas que têm efeito corrosivo. São práticas como interromper mulheres nas reuniões; dar pouca atenção às suas falas, repetir suas ideias como se fossem próprias; exigir delas mais provas de competência do que dos companheiros homens. São olhares que deslegitimam; insinuações sobre a vida pessoal; “piadas internas” que constrangem; convocações em horários que não consideram a dupla ou tripla jornada das companheiras mães e trabalhadoras.
Dirigentes mulheres são mais questionadas, mais vigiadas, mais cobradas. Há homens que, ao receberem orientações de uma mulher, reagem com resistência ou desdém, uma recusa silenciosa, mas constante, uma dificuldade de reconhecer a autoridade política de uma companheira. Esse comportamento, ainda que disfarçado, é, muitas vezes, puro e simples machismo.
Essas práticas se somam e formam o que chamamos de pequenas violências cotidianas: gestos, palavras, omissões e atitudes, que, individualmente, podem parecer banais, mas que, no conjunto, criam um ambiente hostil, inseguro e excludente para as mulheres. Essas violências, muitas vezes, não são levadas a sério, não são discutidas coletivamente e, pior, não são reparadas.
Alexandra Kollontai, revolucionária russa e pioneira na defesa da libertação sexual e econômica das mulheres, nos advertia que a revolução não poderia conviver com relações baseadas na dominação. Para ela, a opressão da mulher não se expressava apenas no campo econômico, mas também nas relações afetivas, sexuais e interpessoais, e que é necessária uma nova ética revolucionária entre camaradas.
Clara Zetkin, por sua vez, alertava que o machismo dentro da própria classe trabalhadora era uma armadilha: homens proletários, oprimidos pelo capital, buscavam se afirmar sobre as mulheres como forma de compensação de seu próprio sofrimento. Essa lógica reprodutora da opressão impede a construção de uma verdadeira unidade de classe, onde homens e mulheres lutem ombro a ombro com igualdade e respeito.
Por isso, combater o machismo nas fileiras do partido não é uma demanda “identitária” ou moralista. É uma necessidade estratégica da luta revolucionária. Um partido que ignora as demandas das mulheres, que normaliza agressões simbólicas ou institucionais, está minando a base política da transformação que pretende construir.
É dever de todo militante homem olhar para si, reconhecer os privilégios que carrega, escutar as companheiras sem defensiva e transformar práticas concretas. Como ensinaram Samora, Kollontai e Zetkin: não há socialismo possível sem o fim do patriarcado.
Por isso, é urgente romper com todas as práticas machistas que seguem entranhadas nos espaços militantes. As mulheres não podem ser ouvidas pela metade, questionadas o dobro e silenciadas no detalhe. Não se trata apenas de “melhorar o clima” ou “evitar conflitos internos”. Trata-se de dar um salto qualitativo na consciência e na prática revolucionária.
Superar o machismo significa investir conscientemente no desenvolvimento político das mulheres, criar espaços para que elas liderem, formulem, comandem e fortaleçam-se como reconhecimento da sua força histórica.
Quando o machismo for enterrado de vez, abriremos espaço para um novo tipo de organização social, livre, justa e poderosa. Aí sim o comunismo deixará de ser um horizonte e se tornará a prática viva do presente.
Matéria publicada na edição impressa nº313 do jornal A Verdade