O avanço da inteligência artificial tem acelerado a produtividade, mas não trouxe, até agora, redução da jornada de trabalho nem aumento dos salários. Pelo contrário, amplia a exploração, precariza empregos e ameaça postos de trabalho.
Sergio Henrique | São Paulo (SP)
SOCIEDADE – É fato que em diversas tarefas necessárias para a execução de um trabalho, o uso de Inteligência Artificial pode proporcionar maior agilidade. Entretanto, o aumento da produtividade, produzindo mais em menos tempo, não significa a redução da jornada de trabalho e muito menos o aumento nos salários. Portanto, a quem serve o avanço tecnológico das IAs?
A cada dia que passa, vemos que as chamadas “Inteligências Artificiais” (IA) se tornam um assunto cada vez mais relevante. Na mesma medida em que vivenciamos o avanço das IAs, também vivenciamos o seu impacto no mundo do trabalho. Esse avanço tecnológico caminha juntamente com a intensificação da exploração. Assim, como a implementação de tecnologia de automação na indústria com o objetivo de aumentar a produtividade, o desenvolvimento das Inteligências Artificiais, dentro do sistema capitalista, representa a capacidade de se produzir mais e gerar mais lucros.
Um exemplo disso pode ser observado na Amazon, uma das maiores empresas de logística do mundo. Em seus armazéns, a produção é altamente automatizada: os funcionários utilizam dispositivos que, ao escanear um pedido, os direcionam ao local exato onde o item está armazenado no imenso estoque. No entanto, eles precisam cumprir metas rigorosas estabelecidas por algoritmos, o que os obriga a manter um ritmo acelerado de trabalho para garantir sua produtividade e, consequentemente, evitar a perda de seus empregos.
A mesma lógica acontece na Uber, em que um algoritmo determina a eficiência ou não de um motorista com base em critérios desconhecidos por seus usuários. Os ritmos de trabalho produzidos por esses algoritmos funcionam como uma verdadeira caixa preta. Para se manterem empregados, os trabalhadores precisam se submeter aos obscuros critérios de produtividade.
Na prática, a automação no capitalismo intensifica a precarização do trabalho. As novas formas de emprego, impulsionadas, inclusive, pela Reforma Trabalhista, resultam na criação de vagas cada vez menos especializadas e com vínculos empregatícios mais frágeis. Além disso, observa-se uma onda crescente de desemprego, já que diversas funções são, parcial ou completamente, substituídas pelo avanço dessas tecnologias.
De acordo com uma análise recente do Fundo Monetário Internacional (FMI), a inteligência artificial deve impactar cerca de 40% dos empregos em todo o mundo: “Na maioria dos cenários, a IA tende a agravar a desigualdade social”. O estudo também aponta que 41% dos empregos no Brasil estão expostos à influência da inteligência artificial. No entanto, o critério utilizado pelo estudo inclui tanto trabalhos que “podem se beneficiar da tecnologia” quanto aqueles que “estarão ameaçados por ela no futuro”. Isso nos leva a uma reflexão crucial: no contexto do capitalismo, existem, de fato, trabalhos que se beneficiam genuinamente da IA, ou os ganhos de produtividade e eficiência acabam servindo principalmente aos interesses do capital, em detrimento dos trabalhadores?
Um estudo realizado pela Strategy&, consultoria da PwC (uma das maiores multinacionais de consultoria e auditoria do mundo), afirma que, para as empresas da indústria farmacêutica, a adoção da IA pode representar um ganho adicional de US$ 254 bilhões de lucros operacionais anuais até 2030, o que significa dobrar seus lucros.
Porém, o que vemos é o aumento do adoecimento físico e mental da classe trabalhadora frente às exigências de uma produtividade cada vez maior.
Vale recordar a experiência pioneira durante o governo de Salvador Allende, no Chile, que implementou o controle estatal de indústrias estratégicas e incentivou o desenvolvimento tecnológico com o objetivo de melhorar a produtividade e desonerar o trabalho. Um dos pilares dessa iniciativa foi o projeto Synco (ou Cybersyn), um sistema inovador que permitia o acesso diário aos dados de produção das fábricas, além de oferecer um conjunto de ferramentas computadorizadas para auxiliar o governo na previsão de comportamentos econômicos futuros.
O projeto incluía uma sala de operações centralizada, que facilitava a tomada de decisões com base no diálogo e na análise conjunta dos dados entre o governo e os trabalhadores. Essa abordagem buscava integrar a tecnologia à gestão participativa, representando um avanço significativo na relação entre Estado, tecnologia e força de trabalho.
Não devemos temer as tecnologias, nem projetar cenários apocalípticos de ficção científica diante de seus avanços. A História nos ensina, com a experiência da Revolução Industrial, que destruir os meios de produção não é o caminho para a emancipação da classe trabalhadora. Pelo contrário, devemos lutar para colocar esses meios de produção sob o controle daqueles que realmente os operam, por meio da construção de uma Revolução Socialista. Somente assim, poderemos criar as condições necessárias para desenvolver tecnologias que sirvam aos interesses da maioria da população, e não aos interesses de uma minoria burguesa que explora e parasita a sociedade.
Matéria publicada na edição impressa nº313 do jornal A Verdade