Curitibana negra, de uma família de empregadas domésticas, se consagrou como a primeira mulher negra a se formar como engenheira no Brasil.
Gabriela Torres | Redação Paraná
MULHERES – Enedina Marques nasceu na cidade de Curitiba em 1913. Filha de uma família de lavradores do interior do estado, passou a sua infância trabalhando em casa de família com sua mãe, empregada doméstica. Foi alfabetizada e matriculada em uma escola particular pelo delegado que contratava os serviços de sua mãe, e rapidamente se destacou pela inteligência.
Em 1940, ingressou no curso de Engenharia Civil pela Universidade Federal do Paraná, e teve de enfrentar diversos obstáculos: registros históricos comprovam inúmeras perseguições à Enedina por parte de docentes, com reprovações arbitrárias e violências racistas dentro da sala de aula. Apesar das dificuldades, a aptidão para a produção científica e a disposição de lutar por um futuro diferente garantiu que fosse consagrada como a primeira mulher negra a se formar como engenheira no Brasil, em 1946.
Engenheira do povo
Em uma área de atuação considerada elitizada, Enedina se destacou e trabalhou como auxiliar na Secretaria de Estado de Viação e Obras públicas do Paraná, em 1947. Trabalhando com equipes majoritariamente brancas e masculinas, não se intimidava: costumava sair em campo de macacão e revólver na cintura, exigindo ser respeitada no seu posto. Assinou dezenas de obras que impactaram a vida dos trabalhadores paranaenses, como o Plano Hidrelétrico da Usina Capivari-Cachoeira, a maior central hidrelétrica subterrânea do sul, que aproveita os rios Capivari, Cachoeira e Iguaçu para abastecer áreas mais pobres do estado. Além disso, foi a responsável pelas obras da Casa do Estudante Universitário de Curitiba (CEU) e o Colégio Estadual do Paraná, uma das principais escolas públicas da capital curitibana.
Em um país onde a violência contra as mulheres negras é parte da política de Estado, o exemplo de Enedina Marques segue vivo, comprovando que o potencial das mulheres da classe trabalhadora com oportunidades e condições de se desenvolver profissional, acadêmica e espiritualmente é ilimitado. Porém, a forma como se organiza a sociedade, através da propriedade privada e com bases racistas e escravocratas, não permitem que milhões de mulheres pretas possam viver uma vida com dignidade. Mais de 60% das famílias monoparentais e em situação de fome no Brasil são chefiadas por mulheres negras. Em 2023, quase 70% dos casos de feminicídios registrados no país e mais de 50% dos casos de estupros foram contra mulheres pretas e pardas. “A luta das mulheres negras é fundamental para fazer enfrentamento à exploração e à opressão capitalistas, que segue, em pleno século XXI tratando as mulheres negras e afro-latinas como a carne mais barata do mercado…”, relata Indira Xavier, coordenadora nacional do Movimento de Mulheres Olga Benario.