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sexta-feira, 11 de julho de 2025

Favela do Moinho: quando a luta e a cobertura se tornam uma só

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Durante os despejos na Favela do Moinho, em abril e maio, a repressão policial foi intensa, mas encontrou resistência por luta organizada dos moradores. A cobertura do jornal A Verdade se tornou parte ativa da mobilização. Em meio ao gás lacrimogêneo e à violência, a comunidade da Favela do Moinho reconheceu: o jornal estava com eles — na mesma trincheira de luta.

Wildally Souza | São Paulo (SP)


LUTA POPULAR – Ultimamente, temos discutido muito sobre a importância do Jornal nas lutas populares. Mas, afinal, qual é nosso papel numa cobertura? Fotojornalistas devem se limitar a documentar o instante? Repórteres precisam acompanhar pautas com distanciamento da informação? A cobertura da resistência da Favela do Moinho mostrou que, na luta, dividimos a mesma trincheira.

Estive no Moinho pela primeira vez em 16 de abril, durante uma assembleia que terminou em ato contra os despejos. A frase dita por Dona Preta, moradora histórica, não me sai da cabeça: “Desde sempre, eles jogaram bomba na gente, mataram nossos filhos e irmãos… agora cabe a nós decidir se vamos ficar de braços cruzados ou reagir”. A resposta foi firme: resistir.

E foi exatamente isso que aconteceu. Logo se desenhou a palavra de ordem: “Amar a vida e não temer a morte”. Durante os dias 16 a 22 de abril, sempre que a Polícia Militar aparecia armada até os dentes, ouvia-se: “Vamos pra cima! Não vamos ter medo desses porcos!”.

No dia 22, a mobilização era intensa. Registrei o primeiro despejo e a entrada da CDHU. Já sentia uma relação pessoal com o Moinho e o jornal A Verdade já era reconhecido pelos moradores, que diziam: “Vocês precisam estar aqui, porque eles vão mentir e nos colocar como bandidos”.

No dia 13 de maio, ironicamente data em que se celebra a abolição inacabada da escravidão, a PM voltou para completar o despejo com uma operação brutal. Casas foram derrubadas, moradores aterrorizados.

Renancir, reciclador e morador antigo, foi quem nos recebeu naquele dia. Visivelmente preocupado, me mostrou uma cicatriz no peito e disse: “Sou operado do coração. Meu medo é a Polícia me prender e me bater, sei que não vou resistir… Minhas filhas vão ficar sozinhas”.

Minutos depois, o cenário era de terror: policiais nas lajes, fuzis apontados até para crianças. A assembleia dos moradores decidiu reagir. Ao grito de “Moinho fica!”, a PM atacou. De repente, a fumaça tomou conta: gás lacrimogêneo, visão turva, dificuldade para respirar, desespero total.

Pela experiência de outros atos e manifestações, decidi atravessar a fumaça e fui até o lado das tropas. Foi quando vi Renancir sendo preso. Sua filha, desesperada, tentava impedir que o levassem, mas foi ameaçada por um sargento: “Sai da frente ou vai tomar tiro de 12 na cabeça”. Registrei tudo com fotos e abri uma live no Instagram do Jornal.

“Esse fica, esse tá com a gente”

Enquanto a repressão avançava, a grande mídia mentia descaradamente sobre os moradores e legitimava a ação policial. Quando viram que A Verdade transmitia ao vivo, os policiais se assustaram. Um deles chegou a gritar: “É aquele povo lá da Secretaria, porra!”, em referência à nossa cobertura de grande repercussão do ato contra a privatização do transporte.

Naquele momento, a comunidade nos reconheceu de vez como aliados. Quando me pediram para sair junto com os outros jornalistas, um jovem chamado Paulo Henrique gritou: “Esse não, esse tá com a gente”. Ali nos consolidamos como o jornal da resistência do Moinho.

Foram três dias seguidos de confrontos. Mesmo quando a PM impediu a entrada da imprensa independente, continuamos a cobertura com os registros enviados pelos moradores. Do lado de fora, ouvíamos as explosões, o choro das crianças, os relatos de pavor.

O terceiro dia trouxe, enfim, uma vitória parcial, mas significativa: os moradores conseguiram garantir auxílio-aluguel, reassentamento e o compromisso com moradia subsidiada. A vitória foi celebrada com lágrimas. Dona Antônia, de 72 anos, me ligou dizendo: “Vocês ajudaram a salvar nossas casas e nossas vidas. Deus e meu padrinho Padre Cícero nos abençoaram primeiro, depois veio o jornal de vocês”.

A luta do Moinho deixa claro o papel do jornal A Verdade: ser instrumento de organização dos oprimidos. Foi a afirmação de que a imprensa comunista tem lado, o lado do povo. Não somos neutros diante da injustiça. Somos instrumentos de organização e resistência.

Matéria publicada na edição impressa  nº314 do jornal A Verdade

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