Moradores do Jardim Pantanal se organizam para resistir à primeira fase dos despejos no bairro e denunciam que a prefeitura está mentindo e manipulando os moradores para entregarem suas casas.
Wildally Souza | São Paulo (SP)
LUTA POPULAR – O ano de 2025 tem sido marcado por inúmeros ataques da prefeitura e do governo do estado de São Paulo aos moradores do Jardim Pantanal, localizado no distrito do Jardim Helena, zona leste de São Paulo.
No começo do ano, os moradores enfrentaram uma das maiores enchentes na comunidade, resultante do descaso histórico dos governantes com a região. Na ocasião, os trabalhadores perderam diversos pertences. No mesmo período, as famílias que ali residem tiveram que ver seu bairro sendo invadido pela Guarda Civil Metropolitana (GCM) e por funcionários da prefeitura e da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), para uma operação de despejo que ameaça milhares de casas.
Além da ação de despejo, moradores relatam que receberam multas por morarem no local. Algumas das multas chegam a R$5 mil reais. A justificativa da prefeitura é de que as pessoas estão arriscando suas vidas em imóveis irregulares e que não querem sair do local. Suleiman Rosário denúncia que “se nos tirarem daqui, só temos um lugar para ir: às ruas ou pra debaixo dos viadutos”.
Suleiman é ex-auxiliar de cozinha e já trabalhou no gabinete da prefeitura. Após receber valores retroativos de um auxílio-doença congelado por 5 anos, finalmente conseguiu conquistar o terreno e sair do aluguel. Suleiman divide o terreno com sua filha, o genro e o neto.
“Eles estão mentindo pra nós. Vejam minha sogra aqui, só conseguiu sua casa depois de muitos anos trabalhando e ainda nem terminou ela toda por falta de dinheiro. Além disso, eu e minha esposa só conseguimos ter onde morar porque ela deixou a gente construir uma casa aqui em cima dela. Para onde vamos todos nós? Será que eles não pensam nisso? Na verdade, eu acho que pensam sim, mas eles gostam de ganhar dinheiro em cima da nossa miséria”, disse Lucas Brito, genro de Suleiman.
Selagem das casas é marcada por manipulação
Desde essa segunda-feira (28), uma nova ação da prefeitura com o objetivo de avançar os despejos foi implementada. Funcionários da prefeitura e do CDHU, acompanhados por assistentes sociais, iniciaram a chamada “selagem das casas”, que consiste na fixação de uma etiqueta de marcação nos imóveis com o objetivo de mapear os imóveis e colocá-los oficialmente na lista de despejo.
Aliciando os moradores com promessas distintas e contraditórias, os funcionários da prefeitura revelam o caráter emergencial dos despejos. Moradores relatam que eles chegam fazendo diversas perguntas e quando eles entendem qual o tema “mais sensível nas nossas vidas, começam a usar disso para nos convencer de entregar tudo que temos pra eles.”
De acordo com os comunicados da prefeitura, comandada por Ricardo Nunes (MDB), a ação faz parte da operação “Recupera Pantanal”, que está dividida em três fases com a previsão de despejos de 4 mil famílias, até 2029. Essa primeira fase conta com o despejo de mil famílias até novembro de 2025 e a a construção de um gabião (espécie de gaiola preenchida com pedras para conter deslizamentos ou avanços de rios).
De acordo com o plano oficial da prefeitura, serão mais de 4.344 famílias despejadas, contudo os moradores denunciam que nas reuniões que tiveram com a prefeitura, os funcionários de Nunes não sabiam sequer a geografia do bairro e que as linhas traçadas para o plano corta ruas e quarteirões inteiros que não estão considerados no plano, aumentando o número de casas e famílias na linha dos despejos no bairro ainda nessa primeira fase.
Até o momento, mesmo já com a selagem e marcação das casas, Ricardo Nunes e o governador Tarcísio de Freitas (União Brasil) não divulgaram quais seriam as alternativas para os moradores. Apesar disso, desde o começo da operação, foi observado que os funcionários do CDHU prometem desde indenizações irreais e falsas, até novas casas em bairros diversos.
Deise Nascimento, assistente social e militante do Movimento de Mulheres Olga Benario, diz que conhece bem a prática de seus colegas e alertou os moradores sobre práticas ilegais que constantemente aparecem nessas ações. “Não é só o direito à moradia que está sendo atacado, mas existem ameaças sutis usando o medo das pessoas, principalmente as mães e as pessoas idosas. Eles usam as crianças e a vulnerabilidade das pessoas para que assinem de forma desesperada, acordos ilegais e cheios de falcatruas. É um claro abuso ao Estatuto do Idoso e ao Estatuto da Criança, que garantem moradia digna para essas pessoas.
Moradores organizam resistência
Na noite desta terça-feira (29), dezenas de moradores do Jardim Pantanal se reuniram junto ao Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), para debater os próximos passos da resistência contra os crimes e os despejos de Nunes e Tarcísio em mais uma periferia de São Paulo.
Todos os presentes na reunião afirmam que essa selagem não os intimidou e que essa ação só demonstram que os governantes de São Paulo não se importam com suas vidas e querem despejá-los para “vender essas terras para os ricos construírem prédios ou fazer uma grande obra para vender (privatizar), logo depois”.

Antônio Barros, 70 anos e morador do Jardim Pantanal há mais de 30 anos, conversou com a equipe do jornal A Verdade e nos disse que a resistência no Pantanal cresce porque há um esforço comunitário dos que já entenderam a ação para conscientizar os que ainda não entenderam: “Onde eu moro, tô todo dia indo de casa em casa para conscientizar meus vizinhos. Ganhei até um almoço esses dias enquanto tava conversando sobre isso. Não vamos deixar que nossas casas sejam colocadas no chão. Se vierem para destruir, vão sair destruídos”.
Já Rosileide Pereira, moradora da região, expressou que se apega aos exemplos de luta que já presenciou: “Lá no Jardim Romano, o povo colocou o Kassab pra correr debaixo de pau e o Serra também, eu lembro muito bem. E vejam, conseguiram suas casas. Se for preciso, quando esses vierem mentir pra gente aqui, a gente vai fazer o mesmo, nossas casas em pé vão ficar.”
Rosileide faz referência a um episódio que ocorreu em 2010, no Jardim Helena, quando o ex-prefeito Gilberto Kassab foi desafiado pelos moradores a andar com o pé na lama, mas na ocasião, decidiu percorrer as ruas na traseira de uma caminhonete e debochou da situação dos moradores.
Agora, os moradores do Pantanal se preparam para as lutas da próxima semana e cobram da prefeitura uma resposta imediata frente a esses despejos. Caso contrário, dizem que irão ocupar a prefeitura e só sairão de lá quando suas casas não forem mais ameaçadas.
Ao jornal A Verdade, Sidney da Cruz, Secretário de Habitação da cidade de São Paulo se recusou a falar sobre o Jardim Pantanal e os despejos.