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quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Crise política do Nepal é resultado da exploração imperialista

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Nepal vive crise politica e econômica que levou a uma revolta popular geral. Dominação imperialista da economia nepalesa está na origem dos problemas.

Felipe Annunziata | Redação


INTERNACIONAL – O mundo assistiu nos últimos dias 8 e 9 de setembro uma revolta social de jovens trabalhadores nepaleses. A capital do país sul-asiático viu os principais prédios governamentais e casas de ministros serem atacados e queimados por manifestações de massa furiosa. Os protestos levaram à renúncia do primeiro-ministro KP Sharma Oli e a dias de instabilidade generalizada.

Em vários meios de comunicação da burguesia e até de esquerda foi colocada como razão principal para a revolta o corte do acesso às redes digitais no país. O Nepal aprovou nos últimos meses uma série de regulações desse setor que as chamadas Big Techs se recusaram a cumprir.

No entanto, a atual crise política no país asiático tem como origem problemas muito mais profundos. Entre eles está o controle imperialista da economia nepalesa e a exploração dos trabalhadores do Nepal dentro de seu país e do mundo.

Revolução incompleta

Pouco conhecido nesta parte do mundo, o Nepal viveu um importante processo revolucionário entre 2005 e 2006. Liderado por uma frente de partidos comunistas e sociais-democratas, os trabalhadores nepaleses derrubaram a monarquia quase absolutista e de traços feudais que governava o país há milhares de anos.

No entanto, apesar de ter dado conta da tarefa democrática, a revolução nepalesa parou por aí. A posição do país, encravada entre Índia e China, sem acesso para o mar, e também a falta de disposição dos sucessivos governos em ampliar a luta revolucionária para romper a dependência do país levaram a uma manutenção do cenário de desigualdade e de exploração dos trabalhadores.

A realidade é que, quase 20 anos após o fim da monarquia, os trabalhadores nepaleses não viram uma mudança concreta na vida. Apesar de ter havido uma tímida diminuição da desigualdade, a ampla maioria do povo vive da agricultura e de serviços de turismo (o Nepal é um dos centros mundiais da religião budista e do hinduísmo e também é onde fica o Monte Everest). Em 2015, o país vivem um terremoto na região de Gurkha, na histórica região central do país, que deixou 10 mil vítimas.

Para comparar, o Nepal tem um PIB de cerca de 45 bilhões de dólares, ao passo que o Qatar tem uma riqueza interna de 218 bilhões de dólares, mesmo tendo uma população de menos de 3 milhões de habitantes. Portanto, a realidade nepalesa é de um país pobre e que não conseguiu ainda se livrar das cadeias de dominação econômica imperialista. A revolução de 2006 não conseguiu superar esta contradição.

O papel do Nepal no sistema capitalista imperialista

O país tem uma população de 30 milhões de habitantes, mas desde 2010 conta com uma diáspora (emigração) de mais de 4 milhões de nepaleses. Para termos uma medida de comparação, no exterior vivem cerca de 5 milhões de brasileiros, para uma população de 212 milhões que vivem no território nacional. De acordo com a Organização Mundial de Imigração, ligada à ONU, em 2019, 50% das famílias nepalesas contavam com pelo menos um de seus membros vivendo no exterior.

Esses trabalhadores servem de mão de obra barata para monopólios capitalistas que atual na Índia, nos países árabes do Golfo Pérsico e no sudeste asiático. Ficaram conhecidas as denúncias de trabalho escravo na construção dos estádios da Copa do Mundo de 2022, realizada no Catar, em que milhares de operários morreram nos sítios de construção. Desses trabalhadores que atuaram na Copa, milhares são nepaleses.

O papel da classe trabalhadora nepalesa então é servir à reprodução do capital em outros países, em que os monopólios capitalistas entendam ser economicamente mais importantes, em troca de salários de fome que tentam enviar de volta ao seu país natal.

Dentro do Nepal, 20% da população vive abaixo da linha da pobreza e 22% dos jovens não encontram emprego. Entre 2004 e 2024, a média de crescimento do país foi de 1,4% ao ano (dados do CEIC Data). Em contraste com esta realidade, os políticos que ascenderam ao poder com a revolução mantiveram muito do estilo de vida da antiga monarquia. Com cada vez mais riqueza acumulada, na prática constituíram sucessivos governos que atenderam prioritariamente os interesses dos ricos.

No país, existem dois partidos que se chamam comunistas que tem grande expressão eleitoral. O Partido Comunista do Nepal (marxista-leninista unificado), do primeiro-ministro deposto KP Sharma Oli, e o Partido Comunista do Nepal (Centro Maoísta), que já compôs o governo e hoje se encontra na oposição. Mesmo tendo liderado a revolução de 2006 e ganhado muito prestígio junto a população, nenhuma das duas organizações deram cabo das mudanças necessárias para a população do país. Na realidade, foi durante os governos destes partidos que o papel dos nepaleses como mão de obra barata no exterior foi reforçada.

Primeiro ministro deposto do Nepal, KP Sharma Oli, durante cerimônia governamental. Foto: Arquivo

Revolta de 2025 é disputada pelo imperialismo

Esta situação atingiu um pico quando as contradições entre a classe rica e os trabalhadores nepaleses ficaram mais evidente. A contradição entre políticos ricos, casos de corrupção constantes e a extrema pobreza do povo era o tema diário nas redes digitais. Junto a esta realidade, o acesso da população às redes digitais se ampliou exponencialmente, assim como no resto do mundo. A população passou a denunciar a realidade econômica através destas redes.

O governo, por sua vez, ao invés de atender às demandas dos trabalhadores, principalmente dos jovens, buscou dar conta apenas do problema da dependência do país às redes digitais sediadas no exterior. Por sua vez, a direita e extrema-direita monarquista viram nesta ação uma oportunidade para tentar retomar o poder.

No entanto, o povo nepalês claramente tem dado demonstrações que não quer retornar a realidade de antes de 2006. Uma restauração monárquica nunca esteve entre a agenda dos protestos. Mas, não se pode descartar uma tentativa do imperialismo, especialmente o norte-americano, de querer criar uma área de instabilidade no país.

A posição do Nepal é estratégica na disputa interimperialista entre China e o EUA, o país tem 1.389Km de fronteira compartilhada com os chineses, sendo que ela se encontra na região do Tibete, onde os EUA patrocinam desde a Revolução de 1949 uma oposição ao governo chinês. Portanto, um cenário de crise política permanente no Nepal pode ser interessantes aos estadunidenses.

Solução é a superação da dependência do imperialismo

A saída para atual crise nepalesa é dar conta das tarefas históricas iniciadas na revolução de 2006. Assim como os outros países do mundo explorados pelo imperialismo, apenas quando o Nepal romper definitivamente as correntes de dependência do capital imperialista é que será possível resolver os principais problemas do povo.

Mais do que algum ensinamento sobre o papel das redes digitais em períodos de crise política, como a mídia social-democrata brasileira tenta nos falar, a atual situação do Nepal mostra como os trabalhadores do mundo estão cada vez mais revoltados com a exploração capitalista e a imposição da dominação imperialista. A falha dos partidos de esquerda do país em romper com o modelo de conciliação é a verdadeira lição para o mundo e o nosso país.

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