Para a construção da luta popular, a advocacia pode ter papel importante. É certo que transformação da vida dos oprimidos não virá por meio do Direito ou de um processo judicial, porém a advocacia popular pode ser valiosa aliada, dando condições para o aprofundamento das lutas e utilizando o Direito como mais um campo de enfrentamento aos grandes ricos.
Leonardo Silva | Núcleo de Advocacia Popular – MLC
SOCIEDADE – A luta ideológica, responsável pela disputa dos corações e das mentes, insere ilusões no seio do povo com o intuito de impedir a organização revolucionária dos trabalhadores. A “meritocracia” enquanto critério para “vencer na vida” e o “empreendedorismo” como solução para a exploração são exemplos disso. Com o trabalho jurídico não é diferente.
É comum que se trate o trabalho do advogado como profissão de elite, ligada às instituições de poder político e, por isso, mais próxima da burguesia do que do proletariado. A verdade, porém, é de precarização do trabalho, com a negação de direitos trabalhistas, baixos salários, desemprego e crescentes casos de problemas de saúde mental.
A “uberização” da advocacia se dá por meio de plataformas digitais, que, aproveitando-se do alto número de desempregados e autônomos, oferecem serviços de intermediação entre escritórios e esses profissionais, chamados de correspondentes jurídicos, que, por necessidade, acabam realizando audiências, fazendo protocolos, escrevendo petições e recursos por valores absurdos. A média de recebimento por audiência – que pode durar horas – fica entre R$ 50,00 e R$ 70,00, sem contar a taxa cobrada pela plataforma.
A situação não é muito diferente nos grandes escritórios, que, como verdadeiros monopólios, dominam grande parte do mercado. De acordo com a plataforma Indeed, a remuneração média no Brasil para um advogado recém-formado é de R$ 2.873,00 (menos de dois salários mínimos). Esse baixo salário, muitas vezes, não vem acompanhado de direitos trabalhistas em razão das contratações como associados ou pessoas jurídicas (PJ). Assim, o que se encontra na advocacia capitalista são extensas jornadas de trabalho, pressão por resultados e, em troca, pobreza e ausência de direitos.
Trabalho classista
Para o enfrentamento à precarização do trabalho, à violência policial, aos despejos indignos, à situação dos presídios e, no geral, para a construção da luta popular, a advocacia pode ter papel importante. É certo que transformação da vida dos oprimidos não virá por meio do Direito ou de um processo judicial, mas pela tomada do poder pela classe trabalhadora organizada. Porém, a advocacia popular pode ser valiosa aliada, dando condições para o aprofundamento das lutas e utilizando o Direito como mais um campo de enfrentamento aos grandes ricos.
Por isso, em 2024, o Movimento Luta de Classes (MLC) em São Paulo criou o Núcleo de Advocacia Popular (NAP), que reúne profissionais de diferentes cidades para lutar ao lado dos movimentos sociais, aprendendo com eles, bem como organizando a categoria para obter melhores condições de vida.
As reuniões do NAP-MLC ocorrem quinzenalmente, de forma virtual em razão das diferentes cidades em que residem os membros. Nos encontros, é realizado um trabalho de formação política a partir do marxismo-leninismo – com leituras do jornal A Verdade e de obras que relacionam a luta política ao Direito – e o debate prático, com organização e divisão de tarefas, acerca dos processos. Há advogados especializados em diferentes áreas, como Direito Penal, Civil, Trabalhista, Tributário, Sindical e Administrativo, de forma que cada camarada aprende com os demais, formando um coletivo sólido em defesa dos movimentos sociais.
O resultado da construção dessa luta vem sendo colhido. Desde a organização, o NAP-MLC conseguiu, por exemplo, a suspensão do despejo da Casa Laudelina de Campos Melo, situada no bairro do Pari, em São Paulo capital, construída pelo Movimento de Mulheres Olga Benario e que atendeu mais de dez mil mulheres vítimas de violência.
As solturas de companheiros e companheiras presos injustamente enquanto lutavam pelo povo são outro grande exemplo de vitórias que vieram desse trabalho, em apoio à luta política. A libertação dos companheiros presos nas Batalhas da Alesp e dos Ferroviários, seriamente agredidos pela Polícia Militar; a soltura e o arquivamento da investigação contra Matheus, militante da União da Juventude Rebelião, preso pelo porte de uma tesoura de unha em manifestação contra o aumento do preço das passagens – e acusado de tentativa de abolição do Estado; e a revogação das medidas cautelares e o arquivamento da investigação contra uma companheira presa por se manifestar contra a militarização das escolas. Um saldo bastante positivo desse trabalho.
E não é só. O Núcleo de Advocacia, em junho de 2025, após ampla luta popular – com a ocupação da Secretaria de Habitação da Prefeitura de São Paulo – conseguiu ainda a suspensão da reintegração de posse da Ocupação Chaguinhas, situada no Centro de São Paulo, organizada pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), e que abriga famílias que perderam suas casas por conta das enchentes e dos despejos ilegais ocorridos no Jardim Pantanal.
Socialismo como realização da justiça
Nos bancos das faculdades de Direito, muito se discute acerca do conceito de justiça. No ensino passado pela burguesia, fala-se que a efetivação da justiça é a aplicação das leis, sem questionamentos acerca dos interesses políticos que comandam as decisões no geral.
Mas a vida no meio do povo nos ensina que não há justiça enquanto o povo passa fome. Não há justiça enquanto famílias vivem nas ruas após despejos de imóveis que ficarão abandonados. Não há justiça no genocídio e prisão da juventude negra e periférica com as mesmas armas que matam o povo palestino. Se o Direito serve aos grandes ricos, então nada tem a ver com justiça.
Da mesma forma, as faculdades de Direito ensinam que o Estado é neutro, criador de um sistema de justiça do qual o advogado é parte, com a única finalidade de resolver os conflitos sociais e promover a conciliação entre as classes sociais para o benefício de todos.
Porém, a luta popular e o estudo do marxismo-leninismo esclarecem que “o Estado é um órgão de dominação de classe, um órgão de opressão de uma classe por outra, é a criação da ‘ordem’ que legaliza e consolida esta opressão moderando o conflito de classes” (V. I. Lênin, O Estado e a Revolução).
Não há neutralidade. O Estado é uma forma de organização da opressão feita pelos ricos e para os ricos. É o Estado que institui as polícias que matam os filhos dos trabalhadores diariamente; que prende nossos camaradas em presídios sujos, desumanos; e que despeja famílias vulneráveis do único teto que conseguiram construir. Nessa luta de classes que se acirra a cada dia, é hora de os advogados tomarem o lado dos seus, o lado da classe trabalhadora.
Apenas com a organização do proletariado e a tomada do poder será possível falar em mudança profunda desse cenário. A construção do socialismo, com o fim da fome, da miséria, do desemprego e da violência, é a realização da justiça. E a advocacia deve ser parte disso.
A experiência do trabalho do NAP-MLC mostrou que a advocacia popular e socialista deve ser construída para lutar ao lado dos demais seguimentos da classe trabalhadora da qual os advogados fazem parte. É possível criar dezenas de núcleos de advocacia popular pelo Brasil. Porém, isso demanda um grande trabalho de organização e atenção dos núcleos dos movimentos sociais. Essa é nossa tarefa, camaradas.