Suspenso há 1 ano e sem dialogar com os usuários, a falta de metrô aos domingos, além de mostrar o extremo sucateamento do serviço, mostra a negação do acesso para o trabalhador ao lazer, que não tem outra opção quando o transporte coletivo é feito apenas para o trabalho.
Marina Aguiar| Recife
CARTAS- Desde setembro de 2024, o metrô do Recife teve sua operação suspensa aos domingos para realizar manutenção nas linhas Centro e Sul. A verdade é que o sistema metroviário está passando por um processo de sucateamento e que precisa de reparos urgentemente. Além disso, diversos metroviários denunciam que a suspensão é necessária, pois a companhia de transporte não consegue mais custear as viagens e que, para não se endividar mais, necessitaria também suspender aos sábados.
O domingo é, tradicionalmente, o dia de ir à praia, ao parque, pegar um cinema no Shopping Boa Vista, juntar os amigos ou fazer aquele passeio simples, mas tão necessário que recarrega as energias para suportar mais uma longa semana. Para quem mora em áreas mais afastadas do Centro, como Camaragibe, Jaboatão, Cajueiro Seco e tantos outros lugares que dependem do metrô, esse direito ao lazer simplesmente deixa de existir quando o sistema fecha.
O lazer é um direito garantido por lei. A Constituição Federal de 1988 o estabelece como um direito social no artigo 6º e o artigo 227 reafirma o dever do Estado de garantir esse direito às crianças e adolescentes. No entanto, o que vemos é justamente o contrário: nada é feito para facilitar o acesso da população pobre ao lazer.
Em outras opções de transporte, o tempo de deslocamento dobra ou até triplica. Isso desanima o trabalhador a tentar um programa diferente no fim de semana, especialmente quando é preciso enfrentar filas, baldeações e a incerteza de horários de ônibus. Nos finais de semana a frota é reduzida, já que todo o sistema de mobilidade urbana foi pensado apenas a serviço do trabalho e não para o dia a dia do povo. Grande parte desses usuários tem apenas o transporte coletivo como alternativa e, diante da necessidade de pegar três ou quatro ônibus para chegar ao destino, acabam desistindo.
Há que se destacar que em muitos locais só existem lazer nos centros da cidade ou nas capitais. Já para os interiores o que sobra são apenas praças. Assim, o trabalhador de São Lourenço da Mata, por exemplo, tem apenas um cinema e praças para descansar nos finais de semana. Isso também lhe nega o acesso à cultura, quando muitas vezes as exposições e shows acontecem tarde da noite na capital.
Desse modo, a suspensão do metrô aos domingos deixa evidente que o sistema foi pensado para funcionar apenas em dias “úteis”. Mas úteis para quem? Para “facilitar” a vida do trabalhador? Mas, da mesma forma que precisamos do metrô para trabalhar e produzir, também precisamos dele para viver a cidade, para deslocar, para ter escolhas.
Fica ainda mais evidente a quem o metrô atende quando em dezembro a operação aos domingos é retomada para estimular as compras no Centro. Ou seja, quando há interesse econômico envolvido a circulação é garantida, mas quando o assunto é garantir o direito ao lazer do trabalhador, o serviço simplesmente não existe. Fechar o metrô nesse dia contribui ainda mais para afastar a população do centro do Recife, um espaço que já vive tantas discussões sobre abandono e até sobre a privatização de ruas, como a do Bom Jesus. A quem interessa afastar ainda mais o pobre do coração da cidade?
As pessoas precisam de espaços de lazer, mas também precisam de condições reais para chegar até eles. De que adianta ter equipamentos públicos se o acesso é praticamente inviável? Para garantir o direito ao lazer, é necessário um real investimento público no transporte coletivo e que cumpra seu real objetivo de servir a população de forma integral e não para encher os bolsos de empresas estrangeiras. O pobre gosta de passear, de caminhar pelo centro, comprar uma trufa na feira do Bom Jesus e sentir o vento no Marco Zero. Ele só precisa do mínimo: transporte público digno, eficiente e que não transforme um simples passeio em uma maratona de três horas.