Lutar para transformar a universidade

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Greve na USPO mês de outubro começou nas universidades estaduais de São Paulo da mesma forma que terminou junho: com luta, mobilização e estudantes nas ruas questionando a ordem imposta.

Na USP, em especial, a mobilização segue forte. Desde o dia 01 de outubro, os estudantes do campus central decidiram ocupar o prédio do Conselho Universitário e deflagrar uma greve reivindicando eleições diretas para reitor, votação paritária entre as três categorias (alunos, funcionários e professores) e fim da lista tríplice, que confere ao governador a escolha do reitor entre os três mais votados. A direção da universidade agora sinaliza para a convocação de uma estatuinte em 2014, onde o tema seria debatido. A USP também já se comprometeu a negociar o retorno de três linhas públicas de ônibus extintas e o aumento da frota de ônibus circulares no campus;reajustes nas bolsas estudantis; mais prédios para moradia estudantil e abertura de uma discussão sobre o modelo de segurança da universidade; alémda devolução dos prédios do DCE e da Associação de Pós-Graduandos.

Nas três universidades públicas paulistas – USP, Unicamp e Unesp – existe uma estrutura de poder autoritária, antidemocrática e burocrática. Seguindo a cartilha do governo repressor do PSDB, dentro das universidades vigora o modelo de desrespeito aos interesses da comunidade acadêmica, de agressão àqueles que o questionam e de compra e venda de interesses políticos e econômicos.

Atualmente, as três instituições contam com cerca de 172 mil estudantes. Desses, poucos são os que vieram de escolas públicas, são negros ou pobres. Os cursos considerados de excelência aprofundam essa discriminação. Nos três cursos mais concorridos não existe nenhum calouro negro. Segundo Paulo Henrique “Bahia”, representante discente do curso de Letras, o maior da USP e da América Latina, com cerca de cinco mil estudantes, esta situação se deve a “um regime de exclusão ainda mais profundo que a universidade, um regime social. O vestibular apenas demonstra como o rosto do pobre no Brasil é negro, e, assim, os negros, que em sua esmagadora maioria não têm condições de pagar escolas particulares ou cursinhos, acabam relegados também no ensino superior às posições subalternas ou ao estudo em faculdades particulares com uma qualidade de ensino bastante inferior”.

Para os que vencem a fase excludente do vestibular e ingressam na USP surge logo outra seleção, para a assistência estudantil. Mesmo com a vaga garantida, muitos passam meses em alojamentos provisórios, onde só possuem uma cama para dormir e dividem o quarto com vários outros colegas. Segundo a estudante Bárbara Olívia, secretária da Associação dos Moradores do Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (AmorCrusp), “esses alojamentos possuem superlotação e fecham no final do ano. Só é selecionado quem mora muito longe ou vem de outro estado. Em alguns blocos de apartamentos a internet é muito lenta, atrapalhando na hora de fazer os trabalhos escolares, e até mesmo a água dos chuveiros é gelada”.

Mesmo após a matrícula,é preciso enfrentar vários desafios que vão além do conteúdo do curso e das provas. Em alguns casos, os calouros estudam em salas com mais de 60 ou 80 alunos, de forma que aqueles que chegam atrasados precisam sentar no chão.

Outro fato recorrente é a perseguição e repressão dentro do campus. “A atuação da PM dentro da USP não é muito diferente da atuação fora dela. A diferença é que nas ‘periferias’ a repressão é letal”, comenta a estudante da USP e diretora de Democratização da Mídia da UEE, Carolina Peters. É conhecido de todos que os militantes do movimento estudantil enfrentam mais dificuldades para conquistar bolsas ou auxílios como alimentação e moradia. As festas são proibidas na maioria dos campi, e a Polícia só aparece para agredir e incriminar os estudantes. Enquanto isso, os crimes como estupros e casos de machismo, racismo, homofobia, além de furtos e assaltos continuam aumentando. “Nos casos de estupro, os registros ainda são feitos como se a ocorrência houvesse acontecido no entorno, não dentro dos muros da Universidade. Há dois anos vem se articulando a Frente Feminista da USP. Dentro da Frente, acumulamos uma posição contrária à presença da PM no campus, não apenas por se mostrar ineficiente na garantia da segurança, mas por entender que se trata de uma instituição machista, sem preparo para atender às vítimas. Elaboramos um plano de segurança alternativo que prevê, entre outras coisas, melhorias na iluminação, abertura da universidade para a população e um efetivo feminino treinado na guarda universitária”, completa Carolina.

Na USP, o movimento estudantil tenta dar o exemplo. Após a intensificação das mobilizações foi feito um grande esforço para esclarecer a todos os estudantes os motivos da greve. Estão sendo realizadas rodas de discussão, aulas públicas com professores dos cursos, debates sobre temas políticos e sociais e exibição de filmes sobre a história das lutas estudantis, entre outras atividades, e vem crescendo o número de participantes nas assembleias a partir do incentivo para que estudantes novos possam falar e expor suas opiniões e diferentes pontos de vista.

As universidades públicas são financiadas por todos os cidadãos e, por isso, devem servir a todos.Democratizar a universidade é colocá-la a serviço do povo.

Lucas Marcelino, UJR – São Paulo