O feijão é um alimento que fornece carboidratos, além de nutrientes essenciais para uma vida saudável, como proteínas, vitaminas, sais minerais e fibras. A elevação de seu preço trouxe grande preocupação à população pobre de todo o país: o feijão “carioca” acumulou alta de mais de 150% nos últimos 12 meses; o preto, cerca de 83%; e o macassar (caupi) subiu 57%. As estimativas mais otimistas são de que o preço do feijão só irá diminuir na colheita da primeira safra de 2017. Assim, as previsões apontam que o Brasil, neste ano, terá uma produção de 2,97 milhões de toneladas de feijão, quando o ideal seria, no mínimo, de 3,5 milhões de toneladas.
Mas, como pode faltar feijão em um país com a extensão continental como o Brasil, em que o cultivo é viável em todos os estados? A explicação é o modelo capitalista da agricultura que, a exemplo da indústria, comércio e serviços, só visa ao lucro. O Brasil, em anos normais, tem uma produção média de 3,3 a 3,5 milhões de toneladas de feijão por ano, das quais consumimos em média 3,3 milhões. Assim, o país produz no limite, sobrando muito pouco para estocagem ou exportação. A questão principal é que as melhores terras e regiões são destinadas às culturas mais rentáveis como milho, café, cana-de-açúcar, algodão ou soja.
Soberania alimentar
Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), desde a safra 2010/11, que produziu 3,7 milhões de toneladas de feijão, não se atingiu mais a média confortável de 3,5 milhões de toneladas. Como não foi tomada nenhuma atitude nos últimos anos, ficou-se esperando por um milagre de abastecimento, ou seja, que os capitalistas ajustassem a produção de modo a resolverem o abastecimento. Como isto não aconteceu e nem vai acontecer sem um controle e planejamento do Estado, a alta no preço do feijão vai continuar, assim como de vários produtos da cesta básica da população brasileira. Apesar de pequenos recuos nos preços recentemente, em virtude do início da colheita da terceira safra, o preço deve continuar alto enquanto não houver pelo menos um ano de condições climáticas favoráveis à sua produção no país, já que não é possível resolver a alta do preço com a importação do feijão e nem produzir uma super safra de inverno (ou irrigada).
Os produtores rurais não vão resolver o problema do abastecimento sozinhos. Segundo estimativa da Conab, computando as três safras deste ano, deve-se chegar, no máximo, a uma produção de 2,97 milhões de toneladas, o que representa variação negativa de (-7,47%) em relação à safra anterior, que já foi insuficiente para a população. Com o aumento do preço do feijão, a estimativa é de uma queda no consumo para aproximadamente 2,8 milhões de toneladas (-16,42%). Devido ao fato de a população não conseguir mais comprar o produto, logo vai passar necessidade alimentar e nutricional, já que o feijão é fundamental para a alimentação e não há um substituto barato. É importante lembrar que se não existir também um sistema eficiente, barato e rápido de armazenagem do feijão, não há como garantir o abastecimento de qualidade, nem regular os preços recebidos pelos agricultores e, consequentemente, pagos pela população.
A realidade é que todo país que pretenda ser independente e soberano deve garantir a segurança e a soberania alimentar da sua população, mas a elite brasileira há séculos se submete aos países ricos e fica totalmente indiferente à população pobre do país. Recentemente, ministros brasileiros pediram que os países ricos (EUA, Alemanha, Japão, China, França etc.) diminuam os subsídios para a sua agricultura, e, por isso, foram motivo de piada nas reuniões internacionais sobre agricultura e comércio.
Precisamos defender a nossa soberania alimentar, o que só será possível com o apoio aos pequenos e médios agricultores. A produção, armazenagem e distribuição dos alimentos fazem parte da soberania alimentar de um povo. Ela é inegociável e não pode ficar dependente de vontades políticas ou práticas de governos ou empresas.
Os que produzem, armazenam e distribuem os alimentos consumidos pela população devem ficar no centro dos sistemas e políticas alimentares, acima das exigências dos mercados, das empresas e, sempre que necessário, devem ser socorridos pelo Estado. Outro aspecto inegociável é a segurança alimentar, que é o direito da população ter acesso regular e permanente a alimentos de qualidade (como o feijão), em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis. Não caberia, assim, à população consumir produtos agropecuários frutos das sementes transgênicas e com o uso indiscriminado de agrotóxicos e medicamentos, alguns deles proibidos nos países sedes das multinacionais.
Por que a reforma agrária?
O caso da falta de feijão no Brasil é um caso concreto da necessidade de uma profunda reforma agrária, já que apesar de toda a política do governo federal a favor dos latifundiários, sucessivos estudos mostram que os pequenos e médios produtores rurais correspondem à base econômica de 90% dos municípios com menos de 20 mil habitantes; representa 35% do Produto Interno Bruto; e absorve 40% da população economicamente ativa do país. Sendo que, com relação à soberania alimentar, é responsável pela produção de 87% da mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz e 21% do trigo do Brasil, e na pecuária, garante 60% da produção de leite, 59% do rebanho suíno, 50% das aves e 30% do rebanho bovino.
A reforma agrária tem de garantir uma política agrícola para intervir nos centros de abastecimento, regulando a diversidade e a democratização de ofertas de alimentos sem que se verifique a concentração econômica e fundiária. E implementando um amplo programa de pequenas e médias agroindústrias instaladas em todos os municípios do país na forma de cooperativas e empresas estatais agrícolas. Outra medida importante é garantir a proposta feita pelos movimentos sociais do campo de limitar o tamanho máximo da propriedade privada e posse da terra, garantindo o princípio do interesse de toda sociedade sobre os bens da natureza, como as florestas, água potável, solo, ar e biodiversidade. Impedir o uso e não colocar recursos na melhoria de sementes transgênicas das multinacionais para produção em larga escala, como é feito hoje pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). As sementes transgênicas representam a propriedade privada da vida pelas multinacionais e a destruição da biodiversidade em nosso país.
Hinamar Medeiros é agrônomo formado pela UFRPE