UM JORNAL DOS TRABALHADORES NA LUTA PELO SOCIALISMO

sábado, 19 de abril de 2025

Onde estão os desaparecidos políticos?

Leia também

Rafael Freire
Jornalista

No dia 31 de março, familiares de mortos e desaparecidos políticos, organizações e ativistas na defesa dos Direitos Humanos, movimentos sociais e culturais e estudantes se reuniram no Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo para o evento “Onde estão os desaparecidos políticos? – Estado de exceção ontem e hoje”.

Participaram da organização do ato, além da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, a Unidade Popular (UP), Fenet, Comissão da Verdade Rubens Paiva (extinta formalmente em 2015, mas atuante de forma militante até hoje) e o Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça entre outras.

Mediante a iminente interrupção da investigação das ossadas encontradas na vala clandestina do cemitério de Perus, em São Paulo, e da total estagnação de investigações em outras regiões do país, os organizadores produziram um Manifesto, assinado por mais de 100 entidades e personalidades, que traz um breve relato histórico e cobra o Estado brasileiro da implementação das recomendações da Comissão Nacional da Verdade e das Comissões regionais.

O Manifesto denuncia também o descumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que, em 2010, entre outras questões, determinou a responsabilização de agentes do Estado envolvidos em torturas, desaparecimentos forçados e execuções no Araguaia e no restante do Brasil.

O ato aconteceu no marco dos 53 anos do golpe militar de 1964 e trouxe à tona sua relação com o atual golpe em curso no nosso país, denunciando a repressão policial tão presente na vida da população.

“Quase 53 anos depois do golpe de 1964, o Estado brasileiro continua a vigiar e reprimir militantes e manifestantes por direitos tão básicos como a circulação, a saúde, a educação”, afirma trecho do documento. “Continua existindo uma polícia militarizada, contra as recomendações da ONU, da Comissão Nacional da Verdade e de outras Comissões da Verdade, bem como dos movimentos contra a violência policial e contra o encarceramento em massa e o genocídio da juventude preta, pobre e periférica”.

O evento fez parte de uma agenda de lutas na cidade, que continuou no dia 1° de abril com a Caminha da Resistência, um ato no antigo prédio do DOI-Codi – centro de tortura e extermínio da ditadura em São Paulo –, e se encerrou com o cortejo do Cordão da Mentira, na Av. Paulista.

Manifesto

Neste dia de 31 de março de 2017, reunimo-nos na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, que foi uma das instituições de ensino que teve estudantes presos, torturados, mortos e desaparecidos há décadas sem que nenhuma resposta tenha sido dada até agora. As famílias, a Universidade e a sociedade em geral têm direito de saber onde estão e o que aconteceu com cada um deles e com todos os desaparecidos. Eles fazem parte da história política do povo brasileiro.

Nesta história política não podem ser esquecidos os 436 mortos e desaparecidos políticos, as 10.034 pessoas submetidas a inquérito e as 7.376 indiciadas por crimes políticos, os 130 banidos, os 4.862 cassados e os 6.952 militares atingidos pela ditadura, segundo o Dossiê da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos; os 1.196 camponeses e apoiadores mortos e desaparecidos, de acordo com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República; os 8.350 indígenas mortos e desaparecidos, segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade, que só conseguiu pesquisar dez etnias. Esses números, embora muito incompletos, servem para sugerir a violência de um regime fundado por um golpe de Estado e baseado em crimes de lesa-humanidade.

Quase 53 anos depois do golpe de 1964, o Estado continua com sua dívida em relação aos desaparecidos políticos. A Comissão Nacional da Verdade não logrou fazer avanços significativos na questão, e o seu relatório foi engavetado pelo governo federal, inclusive a recomendação de investigar e responsabilizar os agentes das graves violações de direitos humanos de acordo com a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre a lei de anistia.

O Estado brasileiro continua descumprindo a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 2010, no caso Gomes Lund e Outros vs. Brasil, sobre a Guerrilha do Araguaia, de localizar os desaparecidos, investigar as circunstâncias dos crimes e punir os agentes responsáveis pelas torturas, execuções extrajudiciais e desaparecimentos forçados.

A busca dos desaparecidos do Araguaia está paralisada. Em São Paulo, o trabalho de identificação das ossadas da Vala de Perus, iniciado em 1990, até hoje não foi concluído devido à paralisação em diversos momentos. Há pouco, terminaram os contratos da equipe de antropologia forense que vinha atuando, com interrupções, desde 2014. O governo federal realizou uma contratação temporária de apenas três técnicos, o que não substitui uma equipe.

Falta realizar, na grande maioria dos casos, a retificação dos atestados de óbito dos mortos e desaparecidos políticos. Apesar da lei nº 9.140 de 1995, que reconheceu “como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979”, os atestados não mencionaram os crimes de lesa-humanidade cometidos pela ditadura, tampouco a responsabilidade do Estado brasileiro.

Quase 53 anos depois do golpe de 1964, a democracia continua sendo ferida; está sendo atingida a democracia representativa e o voto popular, ergue-se uma onda de ataques institucionais contra os direitos humanos, o que inclui retrocessos no campo dos direitos sociais, dos direitos territoriais das comunidades tradicionais e dos direitos originários dos povos indígenas, que continuam sofrendo ações de etnocídio e genocídio.

Quase 53 anos depois do golpe de 1964, o Estado brasileiro continua a vigiar e reprimir militantes e manifestantes por direitos tão básicos como a circulação, a saúde, a educação. Continua existindo uma polícia militarizada, contra as recomendações da ONU, da Comissão Nacional da Verdade e de outras Comissões da Verdade, bem como dos movimentos contra a violência policial e contra o encarceramento em massa e o genocídio da juventude preta, pobre e periférica.

Neste 1º de abril, o golpe de 1964 fará 53 anos. Para protestar contra tudo o que não foi resolvido em matéria de democracia e justiça de transição, chamamos para um ato no antigo DOI-Codi de São Paulo, na Rua Tutoia, nº 921.

Apesar da recomendação da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” de transformar o antigo DOI-Codi em local de memória política, e da decisão do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) pelo tombamento do prédio, a mudança de uso do imóvel ainda não foi realizada pelo Governo do Estado, o que configura mais uma dívida com os mortos e desaparecidos políticos.

Companheiros e companheiras, mortos e desaparecidos pela ditadura militar, PRESENTE, AGORA E SEMPRE!

Vivian Mendes, São Paulo

More articles

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Últimos artigos