Todo militante e cientista social deveria ler a última obra do antropólogo e crítico cultural Néstor García Canclini: O mundo inteiro como lugar estranho (2016).
O título do livro nos remete ao profundo sentimento “global” de solidão absoluta, desolação e inquietante estranheza. Tudo parece estar fora de lugar, fora do centro (excêntrico). Hoje não se fala mais das ideias, pois, há muito tempo, elas estão fora do lugar, como já afirmava, nos anos 1960, o professor e crítico literário Roberto Schwarz (USP e Unicamp).
O texto de Canclini é polifônico. São várias vozes vivas que falam (ou gritam) por si mesmas, questionando a vida acadêmica, a criação artística, a democracia, o consumo cultural, etc. Temas bem variados como “por que existe literatura?”; “por que os cientistas escrevem ensaios?”; “democracia canalha”, entre outros.
Destes temas, saliento Democracia canalha. Texto bem oportuno para nós brasileiros que, infelizmente, vivemos sob um clima político sombrio por lidarmos com uma democracia deste tipo, onde o suborno é o novo contrato social.
Fiquei muito feliz, não só pelo prazer do texto de Canclini, mas também por reconhecer uma daquelas vivas vozes. Voz bastante familiar, com sotaque berlinense típico. Era a voz do cientista político alemão Elmar Altvater, meu querido professor na Universidade Livre de Berlim.
Altvater ministrou um excelente seminário sobre O Capital, obra máxima de Karl Marx. Diga-se, a bem da verdade, que requentavam seu seminário dois brasileiros: eu e Reginaldo Sant’Anna. Este traduziu O Capital para o português. Ainda hoje é considerada a melhor e mais fiel tradução.
Carlos Alberto Azevedo, antropólogo