O aumento de mais de 60% no preço do gás de cozinha utilizado diariamente em milhões de lares no Brasil tem obrigado muitas famílias nos bairros e comunidades pobres a utilizarem o fogão a lenha para cozinhar. É o caso do catador de latinhas Weverton Santos, de 30 anos, morador da favela Sururu de Capote, em Maceió (AL). “Eu comprava botijão a R$ 45, R$ 50 antes; agora, a R$ 70 e R$ 80. Eu não tenho opção: ou compro o gás ou a comida”.
Sua vizinha, a marisqueira Renilza de Araújo, de 42 anos, sofre com o mesmo problema. “Estou esperando meu gás acabar para aposentar o fogão de vez. Não tenho mais condições de comprar um botijão a R$ 80. Isso é metade da minha renda”.
Assim como Weverton e Renilza, outros milhões de trabalhadores brasileiros são vítimas da nova política de preços para o gás de cozinha adotada pelo Governo Temer e pela Petrobras. Desde junho, o valor do botijão passou a depender das altas e baixas dos preços do petróleo no mercado internacional. Ou seja, se por algum motivo político (guerras, boicote econômico, etc.) ou natural (frio acima da média na Europa ou nos Estados Unidos, por exemplo) o preço do petróleo sobe, quem paga a conta somos nós.
Além disso, Temer também vendeu a distribuidora Liquigás para o Grupo Ultra, que passou a controlar mais de 50% do mercado nacional de gás de cozinha e impor os preços que quiser ao produto.
Número de queimados dispara
Por conta disso, o número de pessoas queimadas enquanto cozinham no fogão a lenha aumentou criminosamente nos últimos meses. Uma das vítimas foi a pernambucana Jéssica Maria da Costa, de 24 anos, que mora com o marido e a filha de dois anos no bairro de Casa Amarela, na periferia do Recife, onde o botijão de gás varia entre R$ 80 e R$ 95.
Jéssica estava cozinhando macarrão em cima de duas latas com álcool quando esbarrou por acidente no fogão improvisado. Teve queimaduras de segundo e terceiro graus no pescoço, braço e orelha e ficou internada por mais de duas semanas no hospital. Ela e seu marido estão desempregados e não tinham outra forma de preparar a comida. “O gás acabou e a gente não tinha dinheiro para comprar outro botijão. A única alternativa foi usar álcool”, explica.
Também no Recife, o pedreiro Joelson, que trabalha fazendo bicos, testemunhou um acidente parecido com seu sobrinho Messias. “A gente não tem mais dinheiro para comprar o botijão de gás, daí Messias foi fazer o fogo em duas latas. Como o álcool de uma das latas estava acabando, ao colocar mais álcool, o fogo subiu e a garrafa explodiu na mão dele”, relata.
Joelson e Messias vivem numa casa com mais seis pessoas. A renda da família é de apenas R$ 120 por semana, vindos dos bicos que o pedreiro de 36 anos consegue arranjar. Mesmo com o acidente, continuam utilizando álcool para cozinhar. “Ainda estamos cozinhando no fogão a lenha porque o dinheiro que recebo mal dá para comprar comida”.
Outro caso aconteceu com Bena Pereira, 48 anos, moradora de Olinda. Bena estava fritando ovos quando o fogareiro explodiu. O etanol, normalmente utilizado como combustível para automóveis, mas que aqui substituiu o gás de cozinha, queimou braços, pernas e o rosto da dona de casa. “Estou desempregada e não tenho mais o Bolsa Família. Infelizmente, não posso pagar R$ 90 em um botijão de gás. Só tinha dinheiro para dois pães e dois ovos. Com os R$ 3 que sobraram comprei o álcool”.
São inúmeros os casos de crianças que ficaram com o rosto completamente marcado pelas cicatrizes e pessoas com queimaduras graves devido ao uso de álcool e etanol no preparo dos alimentos. Esses ferimentos causam uma dor insuportável e levam meses para sarar completamente.
Segundo Marcos Barreto, chefe do setor de queimados do Hospital da Restauração, no Recife, nos últimos três meses, mais de 40 pessoas chegaram com queimaduras após usarem fogão a lenha alimentado por álcool. Esses casos já somam mais de 60% do total de queimados na cidade.
Essa é uma realidade cruel e que atinge apenas os mais pobres. No mês passado, a Petrobras anunciou que irá rever sua política de preços para o gás de cozinha. De agora em diante, os reajustes serão trimestrais e não mais mensais. Porém, o repasse dessas mudanças ao consumidor dependerá das distribuidoras e dos revendedores. Como o mercado está sob o controle de poucas empresas, os preços continuarão a subir e mais pessoas sofrerão as consequências, ficando marcadas a fogo pelo resto da vida.
Da Redação