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domingo, 24 de novembro de 2024

O Poço

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Iany Morais – Militante da UJR Pernambuco

Em tempos de aprofundamento das desigualdades causadas pelo capitalismo, vemos cada vez mais os pobres ficarem mais pobres e os ricos mais ricos, a prova disso é que a riqueza de 1% da população mundial equivale à soma da riqueza dos outros 99% – como aponta estudo realizado em 2015 pela Oxfan (ONG Britânica). Nesse cenário as artes têm cumprido um papel fundamental, especialmente o setor do Audiovisual. Alguns diretores mais progressistas têm aproveitado desse movimento para escancarar a realidade e fazerem de suas obras críticas sociais contundentes, a exemplo de Bacurau (Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles) e Parasita (Joon-ho Bong), ambos lançados no último ano. Acompanhando essa leva temos o exemplo do filme recém-lançado O Poço, primeiro longa metragem do diretor Galder Gaztelu-Urrutia, já é um dos filmes mais assistidos na plataforma de streaming Netflix.

O filme se passa todo dentro de uma espécie de presídio vertical, dividido em centenas de níveis que são como celas, ocupadas cada uma por duas pessoas. Existe uma espécie de elevador que passa por todos os níveis levando um banquete. A cada mês as pessoas são trocadas de nível e quanto mais no topo estiverem, mais serão privilegiadas na hora da alimentação. A única preocupação de quem está nos andares de cima é comer muito, pois, não é permitido armazenar comida, já quem está nos andares de baixo se preocupa em como sobreviver sem comer, uma vez que conforme o elevador vai descendo de nível a comida fica escassa e até inexistente.

Sem dúvidas O Poço é muito mais sobre o conteúdo, que sobre a forma, tecnicamente não é dos mais extraordinários. Ainda que esteticamente o filme dialogue com o espectador e o transporte para aquele ambiente cinza, angustiante, inóspito, é o apelo à reflexão que o leva de fato pra perto. A história se desenvolve na medida em que Goreng (Ivan Massagué) personagem principal vai compreendendo o contexto que está inserido, ao mesmo tempo nós, de forma cada vez mais profunda, passamos a nos enxergar como parte dessa engrenagem também.

A obra classificada como suspense, é marcada por ser extremamente visceral, tudo é muito cru em O Poço, o que causa certo incômodo em quem assiste. Certamente esse desconforto é fruto da semelhança da realidade apresentada no filme com a vivida por milhões de pessoas no mundo. A trama vivenciada na ficção acontece todos os dias bem embaixo dos nossos narizes, para muitos de nós, classe trabalhadora, o pesadelo desses personagens é a mais pura realidade.

Enquanto apenas 1% da população mundial goza de infinitos privilégios ao mesmo tempo em que enriquecem cada vez mais à custa da exploração dos 99% restante, milhares de trabalhadores e trabalhadoras tem seus direitos básicos, como a alimentação, negados e precisam fazer verdadeiros malabarismos para poder sobreviver num sistema que coloca o lucro acima da vida e impõe a miséria como projeto. É nesse contexto que o longa-metragem traz a tona reflexões necessárias acerca da solidariedade, do individualismo, do consumo, mas, sobretudo nos revela o acirramento da luta de classes na atualidade e necessidade da transformação da sociedade.

Um paralelo importante com a realidade é que O Poço está ali, o fato de ter ou não conhecimento do que acontece lá dentro, concordar ou não, não muda o fato daquela engrenagem continuar funcionando e não impede que as pessoas morram ou matem. Situação semelhante com a realidade em que vivemos, que por mais que alguns fechem os olhos ou preguem que basta se esforçarem que todos tem a mesma oportunidade de sucesso, pessoas ainda morrem de fome. No entanto quando Goreng rompe com o pensamento individualista impregnado pelo sistema, que no filme se apresenta como a Administração, pensa mais no coletivo e tenta transformar a lógica do próprio sistema, é que podemos extrair o que talvez seja a principal lição dessa obra: a necessidade da mudança.

O filme é repleto de metáforas e propositalmente várias delas não foram abordadas nesse texto a fim de evitar spoilers, mas a principal é sem dúvida a utilização de uma criança na representação da tão buscada mudança. Não à toa crianças representam o novo, o futuro. Comumente se deposita nas futuras gerações a fé em dias melhores. Em O Poço não é diferente, a criança é colocada como o símbolo da transformação do sistema. Terminamos sem saber se o objetivo principal foi alcançado, mas convictos de que as coisas não serão mais as mesmas.

O Poço é um apelo a nossa consciência, um convite a pensarmos de maneira mais coletiva e nos colocarmos como parte essencial da mudança. É um lembrete de que tudo está em constante movimento e é passível de transformação, nada é estático. É sobretudo um chamado à organização coletiva como ferramenta para por fim a miséria do nosso povo. A cultura e arte, embora inseridas dentro do capitalismo e muitas vezes sendo apropriadas pela lógica do mercado podem e devem ser usadas como ferramentas de transformação social e educação popular, e nós precisamos estar cada vez mais inseridos nesse processo, disputando as narrativas e fazendo os debates necessários, afim de que o campo das artes esteja a cada dia mais a serviço do povo.

 

 

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