Denise Maia
RIO DE JANEIRO (RJ) – Num Brasil onde existem rios que se encontram e não se misturam, podemos imaginar o encontro de idealizações educacionais de mestres como Nísia Floresta, Paulo Freire, Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, que defenderam o ensino como uma forma de despertar o senso crítico, a necessidade da reflexão e da consciência de classe nos alunos a partir de ações concretas, e modificaram o sistema educacional, aproximando o aprender e o educar dentro das diferentes realidades desta gigantesca nação.
Para fazer essa reflexão, reunimos aqui, com suas diferentes experiências de vida, as opiniões de uma professora e de uma mãe de aluno que misturam suas aflições e indignações relacionadas à educação patrocinada por um governo que despreza a ciência, o conhecimento e a liberdade do questionamento.
Professora de Artes nas redes municipal e estadual de ensino no Rio de Janeiro, Maria do Carmo denuncia a precariedade do ensino antes da pandemia, as dificuldades das aulas remotas e a preocupação do retorno presencial. Em contato com alunos a partir dos seis anos até a idade adulta, seu depoimento reflete a situação que a educação há tempos apresenta na estrutura escolar.
A falta de material escolar, os banheiros quebrados, os bebedouros sem funcionar, os refeitórios precisando de reparos e lacunas na segurança são alguns elementos presentes na realidade das escolas públicas. Sem investimento na qualificação, contratação e valorização salarial dos profissionais da educação, a pandemia jogou luz na falta de compromisso dos governantes com essa área fundamental no desenvolvimento social.
“Não existe diferença entre as redes municipal e estadual nas escolas no quesito estrutura. A deficiência é a mesma. A diferença ocorre sob outro aspecto. Quanto mais perto as escolas se encontram de regiões violentas, do tráfico, da ausência de políticas públicas, os alunos são imensamente atingidos. A desassistência da família por parte do Estado acarreta a desestruturação familiar. A falta de respeito com os professores aumenta nessas regiões. As crianças são muito carentes emocionalmente. As contradições do ambiente escolar e da sua vida nas favelas são imensas. A falta de estrutura econômica de muitas famílias afeta diretamente o comportamento dos seus filhos. O abandono do pai, a mãe que trabalha o dia todo, as drogas lícitas e ilícitas que circulam nesse ambiente familiar incidem diretamente no desenvolvimento desses alunos quanto a seu convívio social, emocional e intelectual. Em muitos momentos sentimos necessidade de acolher essa criança, oferecer colo, carinho, atenção. Quando percebemos, enquanto profissionais da educação, que nesse campo da estrutura de base familiar a nossa ação é bem limitada, sentimos um desalento”, desabafa.
Ensino Remoto e Evasão Escolar
Para a professora Maria do Carmo, a política do governo para a educação durante a pandemia é um engodo. “No início da pandemia, os governos divulgaram que o ensino seria uma Educação à Distância (EaD), que tem outra formatação, que é completamente diferente. Percebendo esse erro, colocaram como aula remota, que na realidade é um engodo. Os professores fazem os planejamentos para as aulas, mas a maioria dos alunos não consegue acessar. Uma frustração para o professor e para o estudante. Como um aluno que não tem internet ou computador pode assistir a uma aula? Muitas vezes, cai a conexão, o aluno não consegue assistir, muitos só respondem aos professores à noite, aguardam os pais chegarem do trabalho para poder usar a internet”.
Ela também explica que as condições de moradia também prejudicam o aprendizado em casa. “Numa família numerosa que reside num único cômodo ou numa casa pequena, o espaço físico para estudar e se concentrar no aprendizado não existe. Como uma mãe ou um pai que tem quatro filhos na escola encontrará tempo e espaço dentro de casa para o estudo? Quantos alunos frequentam a escola na busca da refeição? Na minha aula posso utilizar formas mais lúdicas para passar o conteúdo, como vídeos, desenhos e pinturas. Mesmo assim, a realidade econômica do aluno o impede de utilizar um lápis de cor, desenhar num papel, porque a prioridade dos pais é comprar comida, pagar as contas vencidas. Diante de todas essas dificuldades, muitos alunos desistem”, lamenta.
Para piorar, além de todas essas dificuldades, há ainda uma grande evasão das aulas online. “Numa aula presencial, a quantidade de alunos numa sala varia entre 35 a 40. Na aula remota, em muitos momentos, não há ninguém. Isso acontece em todas as matérias: matemática, português, física, química. Essa ausência de alunos é mascarada pelo diário online que a escola disponibiliza para o aluno assinar como presença. A quantidade de alunos que participam de aulas remotas não chega a cinco em qualquer matéria”, afirma a professora.
Aprendizado Interrompido
Paloma Cristina é mãe de aluno da rede pública. Estava empregada num restaurante quando chegou a pandemia e foi despedida. Tem dois filhos. Seu marido é camelô. O menino, com oito anos, e a menina, com cinco, estudam num CIEP no bairro de Botafogo. “Meu filho deveria estar aprendendo a ler e a escrever. Já apresentava dificuldades e estava numa aula de reforço antes da pandemia. Mas esse aprendizado foi interrompido. Nas aulas remotas a professora passa material de estudo e vídeos. Nas aulas da minha filha, só vídeo. Tento ajudar, mas mãe não é a mesma coisa que uma professora. Meus filhos só entram na internet à noite, quando meu esposo chega em casa. Mesmo assim, não estudam todos os dias. Não tem como”, explica.
Sobre a pressão do governo para o retorno às aulas presenciais, Paloma é taxativa: “Meus filhos não vão! O meu mais velho, Cristian, entende um pouco que não pode colocar as mãos na boca, que tem que usar máscara, mas minha filha de cinco anos não compreende que não pode colocar a mão aqui e acolá. Mesmo com todas as dificuldades que passamos pela falta de aprendizado, ainda prefiro que eles fiquem em casa, até porque uma escola municipal não terá todos os aparatos para proteger as crianças como uma escola particular. A saúde e a vida dos meus filhos estão em primeiro lugar”, defende.
Esse pequeno retrato das dificuldades de uma professora e de uma mãe de alunos sintetiza o que milhões de profissionais da Educação e pais do país inteiro estão passando nesta pandemia, desamparados por um governo que dedica todas as suas atenções e preocupações aos bancos e grandes empresas enquanto o povo brasileiro padece de Covid-19, sem renda e sem emprego, agarrando-se à esperança de dias melhores, que só virão com muita luta.