Fábrica da Pirelli em gravataí/RS. Foto: Reprodução
Redação RS*
Encaminhando o encerramento de suas atividades em Gravataí, após quatro décadas, a Pirelli comunicou, nesta segunda-feira (26), a alguns funcionários que eles estavam sendo despedidos, enquanto outros serão transferidos para a planta de Campinas. Muitos deles com estabilidade, por conta de problemas crônicos de saúde desenvolvidos na indústria de pneus. Durante um mês, a reportagem do jornal local Giro de Gravataí ouviu depoimentos de trabalhadores e teve acesso a documentos da Justiça, laudos médicos e ergonômicos sobre a situação de profissionais que sofreram problemas de saúde por conta do trabalho, além de acompanhar julgamentos na Justiça do Trabalho. A pedido dos funcionários, suas identidades foram preservadas e utilizamos nomes fictícios para contar os seus casos.
Pedro está entre aqueles que receberam um documento informando que seu contrato será rescindido no dia 30 de julho, mas contesta o direito da empresa de lhe demitir. Ocorre que o trabalhador enfrenta uma doença crônica em decorrência de uma lesão por esforço repetitivo (LER). O problema fez com que ele passasse por cirurgia, ficasse tempo afastado e, quando reintegrado, precisasse mudar de função. Tudo isso, antes de 2018.
A data é importante neste caso, porque até 2018, trabalhadores da Pirelli que sofressem acidentes de trabalho ou desenvolvessem problemas de saúde por conta da atividade laboral, teriam estabilidade. A cláusula foi alterada naquele ano, em acordo da empresa com o sindicato. “Mas de acordo com a Constituição, eu tenho direito adquirido”, argumenta. Por conta da lesão, o trabalhador ainda hoje sofre com dores, que, em momentos mais agudos, o obrigam a tomar remédios, além de ter a mobilidade reduzida.
Vítima de acidente de trabalho é transferida para Campinas
Um dos transferidos para Campinas será tratado pelo nome fictício de Bruno. “Essa é a surpresinha da Pirelli para os funcionários reabilitados, que eles não podem demitir. Se não aceitarmos, é demissão. Nunca fizeram uma proposta, chamaram para um acordo. Simplesmente largaram uma carta, uma bomba”, reclamou. “Para uma pessoa considerada deficiente, não é tão fácil se locomover de um estado para outro, sempre precisa de uma ajuda”, comentou.
Bruno sempre trabalhou na empresa, que foi seu primeiro emprego. Um dia, estava fazendo a manutenção em uma máquina, quando caiu com uma peça pesada sobre o corpo. O acidente de trabalho fez com que precisasse de medicamentos e passar por uma cirurgia.
“Quando voltei, não conseguia fazer força, até hoje não consigo fazer muito”, relatou. Ao retornar, meses após a operação, Bruno descobriu uma hérnia e teve que ficar longe do trabalho por mais dois meses. Pouco depois, foi demitido. O trabalhador ingressou com uma ação na Justiça e, no ano seguinte, foi reintegrado, com a garantia de uma nova função e estabilidade até a aposentadoria.
Trabalhador teve 47% do corpo queimado
Em março deste ano, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) havia mantido a decisão do TRT que determinava a troca de função de um auxiliar de produção, negando o recurso da Pirelli. O funcionário pedia para ser transferido de setor após ter sofrido acidente. O operário trabalhava no acabamento de pneus, com uma espécie de esmeril que funciona a 400 graus Celsius, quando se acidentou. Ele sofreu queimaduras na cabeça, nas costas e nos braços, o que o obrigou a ficar quase um mês internado em uma UTI. Quando pôde voltar ao trabalho, o auxiliar ingressou com pedido de liminar, buscando o reconhecimento da estabilidade acidentária e também a mudança imediata de função, já que, segundo ele, as sequelas das queimaduras resultaram em uma limitação funcional e a exposição a temperaturas extremas e a produtos químicos poderiam prejudicar a sua recuperação.
Naquele momento, a tutela de urgência não foi deferida pela 3ª Vara do Trabalho de Gravataí, o que o fez impetrar um mandado de segurança, que foi deferido parcialmente. O TRT concordou com a mudança de função, mas rejeitou o reconhecimento da estabilidade e da garantia de emprego até a aposentadoria, que seriam discutidas na reclamação trabalhista. Tanto a multinacional, quanto o funcionário recorreram ao TST. O colegiado compreendeu que a garantia do emprego até a aposentadoria deveria ser decidida no julgamento do mérito da ação.
Número de lesionados na Pirelli chama a atenção da Justiça do Trabalho
“Essa empresa está deixando uma conta muito cara para o nosso estado. Fechando a fábrica, não está cumprindo a função social da propriedade, deixando essa multidão de lesionados”, analisou o desembargador Marcelo José Ferlin D’Ambroso, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. D’Ambroso salientou o grande número de casos de funcionários da empresa com lesões laborais que são julgados. “Todas as sessões da SDI (Seção de Dissídios Individuais), nós julgamos, de 30 a 50% da pauta são de ações da Pirelli”, revelou.
E ele não esteve sozinho, logo após a sua fala, a desembargadora Brígida Joaquina Charão Barcelos também foi enfática. “É lamentável o que está ocorrendo neste campo fabril da Pirelli. Uma multinacional conhecidíssima no mundo inteiro, que utilizou de longos anos da mão de obra dos trabalhadores, agora fecha e deixa 800 funcionários sem empregos. Lastimavelmente muitos empregados doentes. É uma fábrica, realmente, de doenças, temos julgado invariavelmente processo com pessoas com lesões”, declarou a desembargadora em seu voto.
Condições de trabalho
Os trabalhadores relataram não haver uma preocupação com a ergonomia. Em um dos laudo ergonômicos que tivemos acesso, o perito analisava as condições ergonômicas no trabalho de um operador, que movimentava pesos de até 30 kg, durante a maior parte do seu tempo na empresa. “Há evidências concretas de risco ocupacional ergonômico para a região de Coluna Lombar (Sobrecarga Muscular/Articular Dinâmica) acompanhada de (Movimentos Biomecânicos Inadequados “flexões associado a rotações do tronco provocando forças de cisalhamento no interior dos discos”) e (Movimentação Manual de Cargas) com pesos de até 30kg praticados durante mais de 90% da jornada de trabalho sem que tenha recebido treinamento adequado conforme determina o Ministério do Trabalho e Emprego. O Jornal Giro de Gravataí entrou em contato com a assessoria de imprensa da empresa, que informou que não iria se manifestar.