Luiza Wolff – UJR de Santa Catarina
“Então eu posso muito bem classificar as forças armadas brasileiras como covardes, como torturadores, como assassinos, como ocultadores de cadáveres e como traidores da pátria brasileira”.
Marlene é catarinense, de Criciúma, cidade pequena de Santa Catarina, com muita história de luta dos trabalhadores das minas de carvão, como conta ela. Desde jovem sempre foi rebelde, morava com seus tios e estudava muito. Aos 18 anos já iniciou seu trabalho nos correios, que possibilitou seus estudos em odontologia em Florianópolis e depois São Paulo. Há muitos anos foi uma das pessoas que fez uma decisão; de deixar seus estudos, seu trabalho e sua profissão, para lutar contra a ditadura militar e pelo socialismo. Ela decidiu, depois de muito pensar, porém com muita tranquilidade, que ela deixaria seus projetos pessoais de vida para lutar por uma vida melhor para seu povo, o povo brasileiro.
Ao deixar seu emprego nos correios, seus estudos na Universidade de São Paulo e seu consultório, no qual já exercia sua profissão, Marlene encontrou um lugar em uma pensão e foi trabalhar em uma fábrica na área de São Bernardo do Campo em São Paulo, a fim de fazer lá um trabalho político com os trabalhadores. Porém, foi neste contexto em que foi presa.
Marlene conta que mesmo depois de todo esse tempo, 51 anos de que foi presa, ainda sente claramente os acontecimentos, e que não consegue não se emocionar. Ela foi presa em 1970 e foi levada à operação bandeirantes. Em seguida de sua chegada, já se iniciaram as torturas. Ela conta que chegou durante a tarde, por volta das 15 horas, e de que as torturas duraram até as 6 horas da manhã do dia seguinte, com uma pausa de duas horas para que fosse torturada novamente por três diferentes equipes.
Dentre as formas mais cruéis, os militares a fizeram tirar as roupas, levar choques em todo o corpo, e nas genitálias, a colocaram no “pau de arara”, dando pancadas e a afogando com água em seu nariz. Marlene ficou na operação bandeirantes durante cerca de doze dias, nos quais foi torturada na maioria deles. Depois, foi levada para o DOPS – Departamento de Ordem Política e Social. “no DOPS eu fiquei 45 dias, sempre me preparando para as torturas todos os dias, mas quando vinha o café da manhã, “né”, uma refeição, eu já sabia que aquele dia eu não seria levada para as torturas.”
Além de Marlene, foram muitos outros presos no Brasil durante o período da ditadura militar, aproximadamente 20 mil pessoas foram torturadas pelo regime. Dentre estas, aproximadamente 440 nunca voltaram para suas casas. Algumas delas nunca foram sequer encontradas, como foi o caso de Paulo Stuart Wright, companheiro de luta de Marlene. Paulo foi uma figura política muito conhecida em Santa Catarina, seu mandato de deputado estadual foi cassado no primeiro mês de ditadura, por ele não se vestir de terno e gravata. Porém, durante o regime, teve uma militância clandestina. Segundo a Comissão da Verdade, Paulo foi morto dentre 48 horas após ser preso, passando ele também, por inúmeras torturas.
Então, com toda a clareza e emoção nos olhos, é que Marlene declara as forças armadas brasileiras como covardes, porque torturaram pessoas em posições como o “pau de arara” ou a “cadeira do dragão”, em que os presos ficavam sem a menor possibilidade de defesa. Classifica-os como torturadores, pois torturaram muitos e muitos prisioneiros políticos. Também como assassinos, pois mataram cerca de 434 pessoas durante o regime. E como ocultadores de cadáveres, até hoje ainda existem pessoas que foram classificadas como desaparecidas, por conta de seus restos mortais nunca terem sido encontrados.
Mas por último, Marlene classifica as forças armadas do Brasil de traidores da nação brasileira. Pois fizeram, e ainda hoje fazem, uma política que é feita para os Estados Unidos e não para o Brasil e nem seu povo. São forças armadas que trabalham em prol dos interesses norte-americanos e não dos interesses do Brasil.
São forças armadas que sempre estiveram, e ainda estão completamente ligadas ao genocídio dos povos indígenas e da população negra. Por isso, são forças armadas traidoras da pátria brasileira.
Marlene Soccas, aos seus 87 anos, deu seu depoimento sobre sua vida e sobre o que sofreu durante a ditadura militar. Depoimento este, que vem dando há muitos anos, e que deu sempre que teve a oportunidade em escolas, universidades, e para quem pudesse. Ela considera seu dever trazer, sempre que pode, o seu depoimento, para que sempre seja lembrado.
Para que nunca se esqueça! Para que nunca mais aconteça!
Ditadura nunca mais.