“O capitalismo é a produção de mercadorias no grau superior do seu desenvolvimento, onde até a força de trabalho se transforma em mercadoria” – V.I. Lênin
Alice Wakai e André Peixe | Redação PR
CURITIBA – Jornadas exaustivas em troca de salários de miséria, alto desgaste físico, benefícios escassos e burnout (esgotamento mental) são os principais motivos para que trabalhadores abandonem suas funções em bares e restaurantes de todo o Brasil.
A falta de trabalhadores neste setor tem influenciado o fechamento de diversos estabelecimentos. Dados da Abrasel, Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, informam que cerca de 335 mil bares e restaurantes fecharam definitivamente no país, com a perda de 1,3 milhão de postos de trabalho em 2021.
Um dos principais motivos para a falta de mão de obra é a baixa remuneração que os trabalhadores recebem. No Paraná, por exemplo, o piso salarial é de R$ 1.400 por mês, sendo que em Curitiba, Chefs de seção e cozinheiros com mais experiência deveriam receber entre R$ 2,5 mil e R$ 3,5 mil. Na prática, a extensa jornada de trabalho faz com que a diária de quem ganha esse piso chegue a irrisórios R$ 84 por dia, no regime CLT. Porém, a realidade é ainda pior: ao invés de salário fixo, a maioria recebe apenas uma “taxa”, que é um valor pré-estabelecido pelo serviço prestado.
Uma trabalhadora, que prefere não se identificar, conta que trabalha há 4 anos na região de Curitiba e que em todos os empregos nunca teve um salário fixo, mas sempre recebeu o pagamento por taxa. Por conta disso, ela precisa trabalhar em dois lugares para se sustentar. “Em um dos lugares onde trabalho, entro às 21h30 e saio às 5 da manhã, trabalhamos sem folga, sem parada para descanso e se o dono pega a gente comendo algum lanche que levamos, já reclama que os clientes estão sem atender”, denuncia.
Para ela, é preciso melhorar as condições de trabalho, estabelecer salários fixos, direito ao intervalo de descanso e tempo para refeição digna. “Ficamos o dia ou a noite toda em pé, é extremamente cansativo, para ganhar um pagamento muito baixo e uma comissão de apenas 5% do que vendemos, às vezes nem vale a pena”, relata.
Mauro Cézar, trabalhador de Matinhos, litoral do Paraná, relata que em sua região é comum trabalhar em turnos de seis horas recebendo apenas R$ 50, ou seja, menos de R$ 10 por hora. “Existe uma cultura entre os donos de que eles estão fazendo um ‘favor’ pra gente. E que temos que ser ‘gratos’ por isso. Eu mesmo já ouvi muito me dizerem que “benefício é poder trabalhar aqui”, sendo que nem salário fixo nós temos, a maioria sequer ganha vale transporte”, relata. Sobre a falta de pessoas para trabalhar, ele acredita que esse problema não irá terminar enquanto não houver aumento de salários “Desse jeito nunca haverá gente para trabalhar. Falta pagar um salário decente para trabalharmos em um emprego só”, explica.
Além da precarização do salário e da falta de benefícios, ele ainda denuncia que a própria companheira, também trabalhadora do setor, já sofreu inclusive assédio. “Essa é a última vez que pretendo trabalhar como empregado, pretendo abrir minha banquinha na próxima temporada. É preciso mudar essa realidade para ontem”, diz.
Somente no socialismo pode existir pleno emprego
No sistema capitalista, estamos presos à lógica do “mercado de trabalho” que impõe a lei da oferta e da demanda do emprego. Ou seja, quanto mais mão de obra disponível (trabalhadores desocupados), maior é a exploração de quem contrata e piores são os salários e as condições das vagas. Essa lógica favorece o acúmulo de capital da classe dominante, que fará de tudo para aumentar seus lucros, sempre às custas da vida da classe trabalhadora, produtora de toda a riqueza.
O Grupo Família Madalosso, dono de uma das principais redes de restaurantes de luxo do estado do Paraná, por exemplo, tem buscado trabalhadores de outras regiões do país para preencher suas vagas, oferecendo salários de R$1.800 para uma jornada de 10 horas de trabalho. Usando de todo seu cinismo para anunciar na mídia burguesa local que esse é um salário acima da média de mercado e que mesmo assim está difícil encontrar mão de obra, ignorando que o salário mínimo hoje está totalmente defasado e que deveria ser de R$ R$ 6.676,11, segundo o Dieese (Departamento Interestadual de Estudos Socioeconômicos).
Para o professor Vander Valduga, do Departamento de Turismo da UFPR, o discurso da “falta de mão de obra” não se sustenta mais e é preciso oferecer melhores condições aos trabalhadores. Além disso, segundo ele, a Reforma trabalhista e as terceirizações aprofundaram a informalidade que já existia no setor de serviços e baixou ainda mais a remuneração média dos trabalhadores que já está estagnada há mais de 10 anos. “Muitos empresários apostaram nesta reforma e na terceirização para manter as baixas remunerações. Porém, ou as empresas oferecem melhores salários, ou teremos cada vez mais gente migrando a outras cadeias produtivas e à indústria, que oferecem mais estabilidade ao trabalhador, ou planos de carreira mais atrativos”, explica.
É preciso lutar pela melhoria e cumprimento dos pisos salariais e da Lei 13.419/17, a chamada Lei da Gorjeta, que muitas vezes não é repassada aos trabalhadores. “Além disso, lutar pelo cumprimento do adicional de insalubridade aos trabalhadores de cozinha, e combater os contratos temporários que, após a Reforma Trabalhista passaram a ser de somente 120 dias, com possibilidade de prorrogação para 180 dias”, afirma.
Para combater esse problema, é preciso que esses trabalhadores se organizem, ocupando e fortalecendo o sindicato da categoria. “A baixa sindicalização entre trabalhadores é fruto das campanhas contrárias encabeçadas pela grande mídia e da desarticulação promovida pelos sindicatos patronais, além do excesso de trabalho que reduz a possibilidade dos profissionais se organizarem”, diz o professor.
Além dos sindicatos, é possível se organizar por meio de organizações políticas como o Movimento Luta de Classes e da Unidade Popular. Apenas lutando por uma sociedade justa, que garanta o pleno emprego de verdade, uma jornada e salários justos é que vamos superar essas contradições e emancipar a nossa classe, que é a geradora de toda a riqueza produzida em nosso país.