O principal elemento para ter sempre em mente é entender que não militamos apenas por nós, individualmente, mas pelo conjunto de nossa classe, formada em maioria por pessoas negras que sofrem violência racista todos os dias, cuja numerosa parcela está pauperizada e sem perspectiva e que, portanto, não estamos na militância política para nos divertir, mas buscando melhorar materialmente não apenas nossa vida, mas a do conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras.
Sued Carvalho | Presidenta estadual da Unidade Popular no Ceará
OPINIÃO – A militância política, muitas vezes, nos leva a fazer coisas que, em situações cotidianas de nossa vida pessoal, não faríamos e isso pode ser, é verdade, desgastante. Ninguém está imune a isso, eu mesma tenho diversos problemas de socialização e introversão, de forma que atividades como panfletagens e brigadas que demandam conversar com pessoas desconhecidas me causam certo desconforto. Não cito aqui meu caso com a intenção de ser exemplo, tampouco como evidência anedótica, mas apenas para demonstrar que não falo a partir de um lugar de incompreensão, pelo contrário, compreendo que algumas atividades da militância nos obrigam a lidar com limitações individuais marcantes.
Ter limitações, não gostar de certas atividades e sentir maior dificuldade de levantar da cama para cumprir alguma agenda da militância é perfeitamente normal, sou cética quanto à existência de algum militante comunista que se anime igualmente por todas as atividades, porém quando usamos “não gostar” de alguma atividade para não realizá-la, aí temos um problema. Ocorrências de militantes que se negam a realizar determinada agenda por “não gostarem” ou “não se identificarem” tem sido, infelizmente, muito comuns e tem servido de argumento, até mesmo, para que algumas pessoas abandonem a militância.
Diante disso, cabe perguntar: Por que militamos? Militamos por entender a gravidade da situação em que vivemos ou apenas para ter a consciência tranquila? Nós lutamos por um Brasil em que todas as pessoas tenham garantidos todos os seus direitos básicos ou temos o comunismo apenas como um elemento estético de nossas vestimentas? Em síntese, lutamos por empatia ou apenas por impulsos individualistas?
A militância política será cheia de altos e baixos e momentos difíceis. Teremos sim ocasiões de profunda alegria, como a vitória de um Diretório Central dos Estudantes, Sindicatos, Entidades, assim como a concretização do objetivo de alguma luta específica. Contudo, haverão também as épocas de maré baixa, de refluxo no trabalho, de profundas derrotas e frustrações. Como lidar, então, com essa instabilidade? De onde tirar força para continuar militando em épocas difíceis?
O principal elemento para ter sempre em mente é entender que não militamos apenas por nós, individualmente, mas pelo conjunto de nossa classe, formada em maioria por pessoas negras que sofrem violência racista todos os dias, cuja numerosa parcela está pauperizada e sem perspectiva e que, portanto, não estamos na militância política para nos divertir, mas buscando melhorar materialmente não apenas nossa vida, mas a do conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras.
Deixar de realizar atividades por “não gostar” é uma manifestação de profundo individualismo e demonstração de que não nos organizamos por entendermos a urgência da superação do sistema que vivemos, que necessita da desigualdade social, do racismo, da lgbtfobia e do machismo para se manter, mas sim para ostentarmos uma suposta consciência de classe, entendida como uma característica pessoal que me tornaria melhor do que aqueles que não a possui, os “alienados”.
A concepção de que consciência de classe é algo que “eu possuo” e que me faz “melhor” e “mais inteligente” que os outros não é apenas individualista e soberba, é também fundamentalmente errada! Consciência de classe é a percepção de nosso lugar na sociedade, quando nos percebermos enquanto classe trabalhadora e o papel da nossa classe não apenas enquanto aquela que constrói toda a riqueza, mas também aquela capaz de superar esse sistema através da organização. Consciência de classe é uma concepção que deve construir no indivíduo um sentimento de coletividade, nunca de soberba!
Enquanto você lê esse texto alguém está morrendo de fome, mulheres trans estão tendo que se prostituir para sobreviver, trabalhadores sendo despejados de casa por não conseguir arcar com o aluguel e até aqueles e aquelas com empregos formais estão tendo dificuldades para conseguir encher o carrinho no supermercado! Enquanto indivíduos não conseguiremos mudar essa realidade, apenas em coletividade e de forma organizada. Porém, organizar-se implica assumir não os papéis que desejamos, mas que as circunstâncias e a dinâmica da luta nos impõem. Aceitar isso é fundamental!
Nós não lutamos para realizar nossos próprios caprichos! Nossa luta é coletiva! É necessário que enfrentemos os sentimentos individualistas, que reflitamos de forma profunda e constante sobre a pergunta que dá título a este texto.