Marta Fontenele e Lucas Marcelino | São Paulo (SP)
O número de mulheres encarceradas no Brasil quadruplicou nos últimos 20 anos e, assim como entre os homens, a maioria (68%) das presidiárias são mulheres negras e pobres. Nos Estados do Ceará e da Bahia quase 100% das detentas são negras.
Abandonadas pelo Estado, pela família e pelos companheiros, a vida das mulheres presas se difere também da condição do homem. Ao contrário da preocupação das esposas e filhas quando seus companheiros e pais estão presos, as mulheres em situação de cárcere recebem poucas visitas e quase nenhum apoio dos familiares. Cerca de 41% das detentas não recebem visitas de familiares.
Para aprofundar este tema, o jornal A Verdade entrevistou a professora Cecília Minaio, da Fiocruz. Para ela, “a trajetória das mulheres presas praticamente se confunde com as histórias de violência que enfrentaram na vida”. As estatísticas revelam um ciclo de violência e abandono desde o nascimento. “Mais de 95% sofreram maus-tratos na família, na infância, na adolescência, no casamento ou nas mãos da polícia; 75% foram vitimadas pelo menos em duas dessas ocasiões; e muitas passaram por ameaças de morte por parte de policiais, pais alcoólatras ou maridos violentos. Muitas têm pais, maridos e irmãos assassinados ou estão na cadeia por acompanhar os companheiros em suas atividades ilegais”, informa Cecília.
Machismo conduz à criminalidade
O tráfico é a principal razão do encarceramento de mulheres no país, seguido por crimes contra o patrimônio, a administração pública e homicídios. No Brasil, enquanto 24% dos homens cumprem pena por tráfico de drogas, entre as mulheres, esse número chega a 39%. Nos últimos anos, tem crescido o número de mulheres detidas por essa causa, alerta Cecília Minaio: “A exploração das mulheres pelo tráfico de drogas não é um fato descontextualizado e não diz respeito apenas às experiências vinculadas à vida familiar e amorosa. Reflete, sim, a cultura de opressão e dominação patriarcal que se acirra com as exigências dos homens de que elas se envolvam”.
Abandonadas e doentes, física e mentalmente, as mulheres brasileiras encarceradas apontam um delito do Estado: a falta de investimentos para a criação de uma rede de serviços públicos, estruturada e efetiva, para acolher, atender e acompanhar as pessoas que precisam dos diferentes tipos de atenção, sobretudo nos bairros mais pobres. A perda de vínculos de parentescos e vínculos sociais, conforme a pesquisa de Minaio, se dá ainda pelo alto nível de adoecimento físico e mental, pela depressão, drogas e suicídios de familiares.
“Um dos problemas das mulheres estudadas por nós é o uso de substâncias tóxicas: álcool (77%); tabaco (68,1%); maconha (50,6%); e tranquilizantes (50,8%). Mais de 50% das mulheres já tinham feito uso de medicamentos psicotrópicos ao longo da vida”, acrescenta a professora. Muitas vezes, uma família inteira vai parar na prisão. “O envolvimento de mulheres no comércio das drogas ocorre, na maioria das vezes, por meio dos filhos, namorados e parceiros. Há inúmeros casos em que a polícia entra na casa atrás dos homens e encontra apenas a mulher e as drogas. Nessas situações, é comum que mães e esposas sejam presas, embora o delito não tenha sido cometido por elas”, explicou.
O machismo é apontado pela pesquisadora como um elemento que precisa ser considerado frente à submissão e dependência das mulheres que acabam na prisão por decorrência de relacionamentos. Outro dado que revela a exploração do povo pobre é a pouca instrução. Mais de 67% dos presos no Brasil não sabem ler e escrever ou são semialfabetizados, com ensino fundamental incompleto. Pouco mais de 20% têm o ensino médio.
As péssimas condições das prisões
Das cerca de 40 mil mulheres detidas no país, segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais (1º semestre de 2023), centenas estão grávidas ou são lactantes.
O abandono na cadeia sem visitação ou suporte emocional, o ambiente com alto nível de estresse, o medo da morte violenta, celas sem ventilação, sem luz solar, falta de higiene e limpeza, prevalência de HIV, resumem o caos em que as mulheres presidiárias são submetidas.
Segundo a pesquisa de Cecília Minaio, 31% das presas disseram sofrer anemia e hipertensão arterial (pressão alta); 54,5% têm doença respiratória (rinite, sinusite, bronquite crônica, tuberculose pulmonar); e problemas do coração atingem 36,5% dessas mulheres. Entre os fatores de risco mais conhecidos estão o tabagismo, a inatividade física, a hipertensão arterial, o sobrepeso, a obesidade e o estresse.
Um percentual de 57,6% das mulheres relatou problema do aparelho digestivo, como gastrite (15,9%), dificuldades digestivas (37,1%) e prisão de ventre (48,8%). Tais problemas, sem dúvida, estão fortemente vinculados à péssima alimentação, uma das principais queixas delas. A falta de água e as péssimas condições de higiene afetam também a saúde da pele.
Conforme Minaio, “as doenças de pele são muito temidas pelas mulheres. Elas estão associadas à falta de água, às condições precárias de higiene, contatos intensos e insalubres nas celas e chegam a atingir 43,4% delas. Em todos os estudos populacionais, a incidência é maior entre as presas e os presos. E 50,2% delas disseram ter problema urinário”.
A saúde do corpo é inteiramente afetada. Problemas osteomusculares, como artrite, reumatismo, dor ciática, bursite, dores no pescoço, costas e coluna, torções, luxações e fraturas ósseas são constantes. “Esse tipo de agravo à saúde está relacionado à falta de exercícios físicos, superlotação, pequeno espaço de locomoção e com noites mal dormidas. Mas se sabe que também tem um componente emocional que não deve ser descartado”, explicou a professora.
Como vemos, o sistema de segurança do país está encarcerando mulheres que são vítimas do próprio sistema de exclusão imposto pelo capitalismo e não oferece nenhuma oportunidade de recomeço, de reintegração social.
Violação de direitos como regra
A população carcerária no Brasil passa das 800 mil pessoas, porém, boa parte delas está presa sem julgamento. Este dado mostra o quão grave é a questão do encarceramento em massa. Segundo Minaio, “a situação do crescente encarceramento de mulheres revela esse complexo modo de exploração. Há um círculo vicioso: suas famílias permanecem à deriva e são alvo fácil de cooptação pelo tráfico”.
O modelo de sociedade que se alimenta da violência impõe a perda da liberdade das mulheres como um atrativo a mais para gerar mais pobreza, miséria e garantir o sistema de lucro por meio da corrupção e da exploração do povo pobre. “Na realidade, a grande maioria das famílias dos presos – não apenas as mulheres – permanece totalmente desamparada, principalmente quando uma mulher é presa. Muitas, mesmo já em liberdade, são aliciadas novamente pelo tráfico de drogas para participar em mercados ilegais, uma vez que precisam sobreviver e não têm a quem recorrer”.
A pesquisadora destaca que as mulheres são as esquecidas no sistema. Acessam menos programas e serviços do que os presos do sexo masculino por considerarem mais insuportável o isolamento social da vida prisional e por terem mais dificuldades em aderir a subculturas e códigos prisionais.
As dores do aprisionamento feminino incluem estigma do encarceramento, claustrofobia, ansiedade por não estarem cuidando dos filhos, por apresentarem mais problemas físicos e emocionais que acompanham a abstinência de drogas em comparação aos homens.
No chamado “Mês da Mulher”, quando a luta das mulheres ganha mais destaque em meio às lutas coletivas, é essencial a denúncia sobre a situação das mulheres brasileiras nas prisões. Trata-se de um retrato fiel da falência do capitalismo e da necessidade urgente de a classe trabalhadora impor uma nova lógica, uma sociedade socialista, onde a liberdade seja o princípio essencial da vida de todas as mulheres e de todas as pessoas.