Ainda nas primeiras horas do dia 21 de abril, cerca de 350 famílias sem-teto provenientes da região do Barreiro de Baixo e organizadas pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) ocuparam uma área de terras devolutas abandonada há mais de 30 anos no bairro de Santa Rita, em Belo Horizonte (MG).
A ocupação, batizada “Eliana Silva” em homenagem a uma das maiores lutadoras pela reforma urbana em Minas Gerais e militante do Partido Comunista Revolucionário (PCR) falecida em 2009, tem como objetivo conquistar moradia digna e de qualidade para essas famílias, todas elas de baixa renda (entre zero e um salário e meio) e há anos cadastradas em programas habitacionais. Atualmente, a cidade de Belo Horizonte, uma das mais ricas e desenvolvidas do país, possui um déficit habitacional de mais de 115 mil moradias.
Mal amanheceu o dia, e o terreno que antes servia como depósito de lixo e rota de fuga para traficantes da região ganhou vida nos barracos de lona, na cozinha e na creche comunitária que estavam sendo montadas e nos sonhos das famílias da ocupação. A polícia também chegou, com seu helicóptero e suas dezenas de viaturas ainda às 4 da manhã para amedrontar os ocupantes, mas não teve jeito: a resistência das famílias era grande demais. Nem mesmo o representante da Prefeitura, que chegou ao local da ocupação exigindo a imediata retirada das famílias alegando que o terreno ocupado era de propriedade do município e área de proteção ambiental, foi capaz de demover os homens e mulheres que estavam ali lutando pelo direito à moradia digna. “Foram nove meses de preparação e espera para essa ocupação. Não vai ser um helicóptero e meia dúzia de policiais que vai nos tirar daqui agora”, disse Seu Onofre, uma das lideranças do movimento.
Passadas as primeiras horas da ocupação, com barracos de lonas ainda sendo levantados, começaram a chegar inúmeras pessoas da vizinhança, parlamentares, sindicalistas, representantes de entidades estudantis e movimentos sociais, da OAB e da Igreja, entre eles o conhecido e respeitado Frei Gilvander, para prestar solidariedade à ocupação recém-nascida. “Venho aqui para dar apoio a esse povo sofrido porque ocupar não é crime, crime é não ter onde morar e, mesmo assim, não ocupar”, disse o Frei durante culto ecumênico na ocupação. Ainda hoje, todos os dias as famílias recebem visitas de pequenos comerciantes e de outras famílias vizinhas com doações de alimentos, ferramentas, água e demais itens necessários para o desenvolvimento da ocupação, além da concessão voluntária e fraterna dos banheiros de suas casas para o uso das pessoas que vivem na “Eliana Silva”. Fazem isso pelo simples fato de que a ocupação deu uma função e utilidade justa àquele terreno, afastando dali a delinquência que antes dominava a área.
No dia 23, como era esperado, a Prefeitura de Belo Horizonte entrou na Justiça com pedido de reintegração de posse contra as famílias, pedido esse que foi julgado procedente pelo juiz na tarde da do dia 24. Essa foi a saída encontrada pelo prefeito Márcio Lacerda (PSB) para resolver a questão. Para a prefeitura reprimir famílias sem-teto é melhor do que enfrentar o déficit habitacional e o modelo capitalista de cidade que vem sendo adotado há décadas na capital mineira, e que hoje tem como expressão maior o beneficiamento imoral de grandes empreiteiras e os megaprojetos para a Copa de 2014, resultando no aumento do número de famílias desabrigadas pelas chuvas e sem casa em Belo Horizonte.
Diante da ameaça de reintegração de posse, o MLB tem feito uma série de movimentos para evitar a execução da ordem judicial, fortalecido a unidade das famílias e ampliado a rede de apoio à ocupação. Enquanto isso, as famílias resistem à pressão e às provocações da polícia, que todas as noites ronda a ocupação, revista moradores e joga luz no rosto das moradores. Viaturas do tático-móvel circulam o local e fazem ameaças através do megafone do tipo: “Aguardem que a batatinha de vocês está assando. Vocês vão voltar para o mesmo buraco que vieram”. Puro fascismo.
As famílias, entretanto, resistem, pois aprenderam na prática que não há força no mundo maior do que a força de um povo unido e disposto a vencer. A ocupação “Eliana Silva” segue firme e forte na certeza de que quem luta, conquista, e de que só unidos conquistarão o direito humano de morar dignamente. A luta apenas começou.
Natália Alves, Belo Horizonte