Os Centros Educacionais Unificados (CEUs) criados com gestão democrática, focado nas periferias da capital paulista, enfrentam um processo de privatização progressiva desde Kassab até Nunes, resultando em cortes de recursos, riscos estruturais e perda de participação popular. Sob gestão de OSCs, unidades registram falta de materiais, assédio laboral e desmonte de conselhos gestores. Movimentos como DESPRIVATIZACEUs e MLC combatem a expansão de PPPs e defendem o controle comunitário.
Guilherme Leria | MLC SP
Criados durante a prefeitura de Marta Suplicy (2001 – 2004), os Centros Educacionais Unificados, ou CEUs, juntam o ensino infantil e fundamental com estrutura de esportes, teatros, salas de músicas e outros serviços fundamentais para promoção da cidadania em áreas periféricas da cidade.
Em sua criação os CEUs representaram a vitória de uma prefeitura mais aberta para o povo. Através de um processo mais horizontal, os movimentos sociais e a população periférica tornavam-se protagonistas do processo de construção e implementação de cada CEU, mapeando os terrenos de sua implementação e construindo seus projetos. Anos-luz da atual prefeitura e governo do estado.
Conforme os CEUs se mostraram um sucesso outras prefeituras expandiram o projeto para outras cidades e passaram a transformar o projeto segundo seus próprios interesses. As prefeituras de Kassab, Serra, Haddad e as mais atuais de Dória, Covas e Nunes, todas entregaram CEUs, todos visivelmente diferentes, todos progressivamente empobrecendo as estruturas do projeto original.
Desde a prefeitura de Dória há uma postura muito mais agressiva em relação à privatização e nos ataques contra a educação pública. Durante a prefeitura de Covas (vice de Dória), em meio ao auge da pandemia, a Secretaria Municipal de Educação passou a gestão de 12 CEUs que estavam finalizando a construção para a Organização Social da Cultura (OSC) Bacarelli.
Na época em que se anunciou essa privatização já havia denúncias de falta de transparência no processo, além de apontar que, ao contrário do que a prefeitura contava, a privatização geraria mais custos do que economias.
No começo de 2024, no segundo mandato de Ricardo Nunes (vice de Covas), um dos principais objetivos da prefeitura tornou-se expandir esse modelo privatizado, agora passando para a OSC SPE Integra S/A os seguintes CEUs: Cidade Ademar, Cidade Líder, Ermelino Matarazzo, Grajaú, Imperador, Brasilândia; Jardim Campinas; Parque das Flores; Pirajuçara e Vila Gilda.
Por dentro da privatização
Toda privatização parte de um argumento básico: a gestão empresarial seria mais efetiva que a gestão pública. E deste argumento nasce outro: a gestão privada conseguiria organizar e executar todas as atividades daquele órgão público e ainda gerar algum lucro para a administradora.
Na prática essa lógica se mostra impossível e causa um efeito em cadeia: piora as condições de trabalho, corte de salários, distanciamento da população em conselhos deliberativos, não se faz manutenção das estruturas, aumento dos casos de assédio e falta de materiais e equipamentos para realização dos serviços. Essa instabilidade e constante pressão de trabalho causa frequentes mudanças de gestão e rotação de profissionais, culminando em uma enorme piora da qualidade do serviço oferecido e da relação com a população atendida.
O MLC professores buscou no movimento DESPRIVATIZACEUs e na audiência pública da Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa de 2023, organizada por Toninho Vespoli e com presença do SINESP (Sindicato Especialistas Ensino Público São Paulo), alguns dos relatos sobre como realmente é a gestão da OSC Instituto Bacarelli.
Assim que a privatização saiu do papel os trabalhadores da gestão dos CEUs começaram a enfrentar os mais diversos tipos de assédios e ataques aos seus direitos: falta de equipamentos básicos como materiais para as aulas e atividades de cultura, constantes mudanças nos planejamentos, desvios de funções que colocavam os funcionários e usuários em risco e prazos impraticáveis para realização das ações culturais e esportivas.
Como relata um integrante do movimento DESPRIVATIZACEUs: “principalmente no que toca os professores do esporte e o pessoal da cultura, existe muito uma questão de desvio de função (…) eles querem obrigar a pessoa a fazer alguma coisa que não é do escopo dela e que inclusive, sendo uma pessoa que não tem experiência para lidar com crianças, é até um risco para criança e para pessoa”.
Sobre a falta dos materiais: “é um tal de aulas de crochê acontecendo com o resto de barbante, de professor colocando a mão no próprio bolso para comprar material, porque eles contratam o professor e não tem material para dar aula”, denuncia o movimento.
No ano da implantação da gestão privatizada em 2022 a comunidade passou cerca de sete meses frequentando as unidades e participando de atividades esportivas sem bebedouros, pois eles só foram adquiridos após esse período. Além disso, as salas de aula e demais ambientes seguem até hoje sem ventiladores adequados, o que torna as altas temperaturas ainda mais difíceis de suportar, especialmente no verão. Somado a isso, a cada ano, a comunidade enfrenta longas horas em filas para conseguir uma vaga. Como a procura é superior à oferta de vagas nos CEUs, a OSC, por decisão unilateral, realiza todo ano um processo de rematrícula, promovendo um rodízio entre os frequentadores.
Se trocar as OSCs melhora?
Alguns poderiam dizer que isso é um problema da OSC, uma questão que poderia ser diferente em outra gestora, mas a questão não é a circunstância e sim a própria privatização.
Antes da privatização, a gestão direta do Conselho Gestor do CEU é a instância máxima de decisão, sendo composto paritariamente por representantes da comunidade e dos trabalhadores do CEU, todos eleitos pela população e trabalhadores da região. Esse modelo democrático permitia a construção de ações e decisões alinhadas às necessidades locais. Com a perda do poder decisório da comunidade, esses espaços de participação e controle social foram esvaziados, comprometendo a transparência e o envolvimento direto da população na gestão do equipamento.
Portanto, a privatização entra em direta contradição com esse tipo de gestão, já que a administração das OSC precisam tomar ações impopulares e com agilidade para tentar justificar o projeto e as remessas milionárias do dinheiro público que ela recebe. Na prática, a privatização coloca em choque a participação popular contra os resultados buscados pela administração privada.
No caso do CEU Carolina Maria de Jesus passaram 4 gestores diferentes em um período de um ano. Cada um dos gestores representava uma nova tentativa da OSC de estabelecer a sua dominância sobre o conselho gestor, já que o gerente terceirizado é obrigado a seguir as determinações da OSC, o que na prática causa um enorme conflito e um caos dentro do CEU.
Mais recentemente no CEU Artur Alvim, mais um sob gestão da OSC Bacarelli, o teto do teatro foi destruído em meio às tempestades. Mais do que um caso isolado, esse episódio demonstra a falta de manutenção e de preocupação com a qualidade do serviço oferecido.
Após a queda do teto e os danos a estrutura a OSC não interditou o espaço, mesmo após fazer uma vistoria. Os trabalhadores do CEU seguem trabalhando na unidade todos os dias com o medo eminente de outro desabamento.
Assim como todas as outras experiências de privatizações, o caso dos CEUs e das OSCs nos mostram os reais objetivos por trás das privatizações: aumentar o controle da burguesia sobre o orçamento público e a vida da população trabalhadora.
Como o projeto original e contexto de criação dos CEUs nos mostra, a participação popular e os servidores públicos são as raízes do sucesso dessa política pública, justamente o contrário da privatização.
Com a reeleição de Ricardo Nunes em uma eleição controlada pelo investimento da burguesia não é nenhuma surpresa que o projeto privatizante ganhe ainda mais força mesmo com todos esses problemas. Neste mandato a prefeitura de Nunes quer construir 12 novos CEUs através de uma parceria público-privada (PPP) na qual a construção e a gestão será feita pela iniciativa privada.
Por isso o Movimento Luta de Classes, a Unidade Popular e outros movimentos como DESPRIVATIZACEUs estão organizando a classe trabalhadora para lutar contra a privatização. Precisamos retirar OSCs dos CEUs e colocá-los novamente sob controle da comunidade e do conselho gestor democrático.