Estudantes organizados no movimento estudantil assumem o controle do Restaurante Universitário na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em apoio a paralisação de trabalhadores terceirizados, que há semanas estão com o salário atrasado.
Matheus Monteiro | Rio de Janeiro (RJ)
No dia 11 de abril, trabalhadores terceirizados da empresa Nutryenerge, responsável pelos restaurantes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), organizaram uma paralisação em suas atividades devido ao atraso de semanas no pagamento dos seus salários. Diante dessa situação, trabalhadores indignados também procuraram o Diretório Central dos Estudantes da UFRJ para fortalecer a denúncia.
Os atrasos nos pagamentos dos trabalhadores são frequentes. Aliás, por mais que a UFRJ garanta o pagamento integral à empresa, a Nutryenerge comete esses calotes alegando ter problemas de fluxo de caixa que a impede de pagar os trabalhadores. Ao mesmo tempo, a Nutryenerge anunciou, há algumas semanas, a abertura da contratação de novos funcionários. A realidade é que a empresa lucra muito com a gerência do serviço dos Restaurantes Universitários (RUs), mas a garantia dos direitos trabalhistas não é prioritária.
Bandejão ocupado
No próprio dia 11 de abril, frente às movimentações dos terceirizados, os estudantes da UFRJ, orientados pelo DCE Mário Prata, tomaram a decisão política de fortalecer a paralisação dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, de garantir a alimentação para dezenas de milhares de estudantes, organizando os chamados “calotaços”.
Utilizando comida que já estava pronta previamente, os estudantes serviram as refeições, lavaram a louça e limparam as mesas do Restaurante Universitário Central, na Ilha do Fundão, a todo momento realizando agitações denunciando o absurdo que estava acontecendo com os trabalhadores e quais são os planos da Reitoria para aumentar o preço do bandejão.
A partir da pressão da paralisação e do “Calotaço”, a empresa efetuou o pagamento de 50% do salário dos trabalhadores e prometeu pagar a outra metade até o dia 18 de abril. Esta ação viola a legislação trabalhista, que impede o pagamento parcelado do salário, mas demonstrou que o caminho para a garantia dos direitos seria o caminho da luta.
Jornada de luta
No dia em que o Bandejão Central foi ocupado pelos estudantes, o pró-reitor de Políticas Estudantis da UFRJ, Eduardo Mach, afirmou em entrevista ao Portal G1, que “a UFRJ passa por dificuldades orçamentárias muito grandes, mas, em função do compromisso com a assistência estudantil, não atrasamos o pagamento dessa empresa”. Ou seja, a empresa já recebeu o valor referente ao seu contrato e, mesmo assim, não cumpre com suas obrigações. Indignados por essa situação, trabalhadores e estudantes seguiram com o espírito de luta.
A mobilização se espalhou por toda a universidade. No dia 14, o bandejão do IFCS-IH, localizado no Centro do Rio de Janeiro, foi ocupado pelos estudantes e trabalhadores em paralisação. No dia 15, o RU do prédio de Letras, localizado no campus da Cidade Universitária, também entrou em paralisação e operou em “Calotaço”. No dia 16, a mobilização eclodiu em todos os seis RUs da UFRJ da capital fluminense. Centenas de estudantes de todos os campi atenderam ao chamado do DCE e se somaram na organização da operação dos Restaurantes Universitários, juntamente com seus Centros Acadêmicos que organizaram o “Calotaço”.
A luta conquista
Além da organização de um espaço de gestão coletiva a partir dos “Calotaços”, o DCE da UFRJ lançou também a campanha “Terceirizado não é escravo”, arrecadando recursos com os estudantes na fila, professores e sindicatos para fazer a compra e distribuição de cestas básicas aos trabalhadores necessitados.
Após esta incansável jornada de mobilização, com panfletagens, paralisações, ocupação da sede da empresa, cobranças à Reitoria, o restante do salário dos trabalhadores foi depositado nas contas na manhã do dia 17, quando trabalhadores e estudantes já estavam prontos para mais um dia de ação geral nos RUs.
“Sabíamos que se não fosse através da pressão unificada dos estudantes e trabalhadores, a empresa continuaria a dar voltas e voltas na gente, por isso, desde o início, mantivemos contato com os funcionários da empresa planejando as mobilizações para garantir tanto a nossa alimentação quanto a paralisação dos trabalhadores”, afirmou Henderson Ramon, coordenador-geral do DCE.
Apesar de toda justeza da mobilização, a Reitoria da Universidade ainda lançou uma nota vexatória em e-mail para todo o corpo universitário, difamando a mobilização dos trabalhadores e estudantes. De acordo com a administração da universidade, a saúde dos estudantes foi posta em risco pelo comando dos RUs, nada falando da possibilidade de os estudantes ficarem sem comida durante vários dias letivos.
Retrato da terceirização
O modelo de terceirização de setores de órgãos públicos foi um dos maiores ataques ao povo brasileiro que os últimos governos do país instauraram. Após o aprofundamento dos cortes de verbas das áreas sociais nos governos de Temer (2016-2018) e de Bolsonaro (2019-2022), os órgãos públicos não têm capacidade de recontratar diretamente esses trabalhadores terceirizados. Esse modelo já provou que nada tem a oferecer aos trabalhadores além de precarização e perda dos direitos.
Hoje, a UFRJ conta com mais de três mil trabalhadores terceirizados que se espalham nas funções de limpeza, segurança patrimonial, manutenção e nos restaurantes universitários. Essas pessoas são submetidas a jornadas exaustivas de trabalho em troca de um salário mínimo.
Sem esses trabalhadores, a maioria dos serviços que a UFRJ oferece à sociedade seriam suspendidos. No entanto, as empresas terceirizadas e a administração da universidade ignoram as reivindicações dessas pessoas.
A mobilização dos terceirizados e estudantes da UFRJ provou que a luta popular é capaz de gerir os serviços e setores da sociedade, e que não precisamos nem um pouco dessa classe parasita que são os patrões, CEOs, acionistas e burgueses donos de empresas. Em alguns dias de luta, o movimento estudantil e os trabalhadores unidos mostraram que não precisam da chamada “iniciativa privada” para gerir os recursos da universidade.
Matéria publicada na edição impressa n° 312 de A Verdade