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terça-feira, 30 de setembro de 2025

Oito anos de privatização da Cesta do Povo na Bahia e suas consequências

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Avaliada em R$ 600 milhões em seu auge, a Empresa Baiana de Alimentos (Ebal), controladora da Cesta do Povo, foi leiloada em 2017 por apenas R$ 15 milhões em um processo marcado por suspeitas e justificado pelo governo de Rui Costa (PT) como uma medida necessária contra supostos prejuízos.

Willian Santos | Salvador (BA)


LUTA POPULAR – Fundada em 1979, a Empresa Baiana de Alimentos (Ebal) foi uma empresa estatal criada pelo Governo da Bahia com o objetivo de tornar acessível os alimentos para a população de baixa renda, subsidiando os preços. Para isso, contava com uma estrutura logística com frigoríficos, armazéns, centros de processamento e seu carro-chefe: o supermercado Cesta do Povo.

A Cesta do Povo foi, durante 30 anos, a única rede estatal de supermercados do país, contando com mais de 300 lojas em pelo menos 229 dos 417 municípios do Estado da Bahia, além de diversos bairros periféricos de Salvador, permitindo que os itens da cesta básica chegassem mais facilmente à população. A empresa contava também com o programa CredCesta, que criava uma linha de crédito consignada aos servidores públicos estaduais, descontando diretamente da folha salarial. Além do preço acessível, a empresa também fomentava a agricultura familiar, adquirindo de produtores locais.

Essa iniciativa, além de mitigar a fome, também permitia o sustento de diversas famílias que trabalhavam no ramo de alimentação. Como foi o caso de Antonieta da Silva, 77 anos, moradora do bairro Uruguai, que trabalhou de maneira autônoma, fornecendo almoço em Salvador: “Eu adorava comprar lá. Achava os preços ótimos e era perto da minha casa. Não é justo fazer isso, fechar um supermercado tão legal como era esse. Eu acho que deveria voltar! Depois que eu me aposentei, comecei a cozinhar para os funcionários do Terminal (Marítimo) do Ferry Boat. Passei uns 20 anos fazendo isso”.

O processo de privatização 

Em 2017, a Ebal foi levada à leilão e privatizada pelo ex-governador Rui Costa (PT) por apenas R$ 15 milhões, após duas tentativas sem nenhum lance, tendo sido arrematada pelo grupo NGV Empreendimentos e Participações, do espanhol Ignacio Morales. Essa empresa, fundada no ano do leilão, com capital social de R$ 500, fez uma alteração contratual de R$ 1 milhão, levantando suspeita de arranjo sob encomenda. Um ano depois, a Ebal foi comprada pelo capitalista e ex-presidente da Associação Baiana de Supermercados (Abase), Joel Feldman.

Desde a sua fundação, a Cesta do Povo foi uma empresa superavitária. Em 2012, faturou R$ 600 milhões, liderando o ranking entre os supermercados varejistas que mais arrecadaram no estado. Em 2015, chegou a ocupar o 2º lugar estadual, o 5º no Nordeste e o 39º no Brasil, segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras).

É claro que esse índice incomodava os capitalistas donos das grandes redes de supermercados que disputam o aumento da taxa de lucro, mesmo que isso signifique fome e privação para a classe trabalhadora. Os preços mais acessíveis da Cesta do Povo e a sua presença em várias localidades, mesmo onde não era interessante para a iniciativa privada, promovia a regulação do preço dos alimentos, obrigando seus concorrentes a baixarem seus preços para conseguirem competir com a rede pública.

O Governo, subordinado à vontade dos grandes empresários em detrimento da classe trabalhadora, iniciou uma grande onda de fechamento de várias unidades e demissões de servidores públicos concursados. Foram mais de 1.500 servidores demitidos de maneira escalonada em mais de 100 municípios para não chamar atenção da opinião pública. Fora isso, o processo de privatização provocou uma desarticulação dos agricultores que forneciam para a rede.

Para justificar a privatização, a tática utilizada pelo Governo foi a seguinte: sucatear a empresa pública e manipular a imprensa para que a população “entendesse que era necessário entregar para os empresários salvarem a empresa”. Diante disso, as unidades foram sendo abandonadas, com as prateleiras deixando de serem abastecidas. Para Iraci Barbosa, 83 anos, que trabalhou por mais de 30 anos de maneira autônoma como confeiteira para aniversários e eventos, “na época da Cesta do Povo, o preço era acessível e todos os produtos eram bons. Depois botaram a parte das verduras e tudo. Era ótimo! Eu fiz muita compra ali, mas depois parei porque o Governo descuidou. Eu ia lá, e não tinha quase nada”.

O que está por trás disso?

Para legitimar essa vontade dos capitalistas, o Governo começou a defender abertamente a privatização, afirmando que era impossível concorrer com a iniciativa privada e alegando estar dando prejuízos aos cofres públicos. Para reafirmar essa tese, na reinauguração da empresa, já sob controle privado, o ex-governador Rui Costa (atual ministro da Casa Civil) declarou em entrevista que: “O nosso foco é gerar emprego e, do jeito que a Cesta do Povo ‘tava’, era custo para a sociedade. Custava R$ 60 milhões dos cofres públicos ao ano e cada vez gerando menos empregos. Agora, não. Não custa nada para os cofres públicos, ao contrário, ainda gera uma receita de ICMS, com 41 lojas abertas e eu espero que logo possamos comemorar ao invés de 50, 80 lojas abertas e 3, 4 mil empregos gerados”.

A verdade é que a Ebal, no seu último ano antes da privatização, fechou sendo a 5ª maior empresa do ramo na região, mesmo com esse grande esforço de fazer parar o seu funcionamento. Debaixo do capitalismo, o nosso dinheiro pode ir para a dívida pública, para enriquecer banqueiros, para o agronegócio, e nada disso é considerado desperdício. Agora, combater a fome, aí já é demais!

Oito anos depois, após 1.500 servidores públicos demitidos, a empresa apenas anuncia promessas de gerar empregos com sua expansão. Hoje, a Cesta do Povo de povo só tem o nome, pois não passa de uma rede de supermercado como qualquer outra: sustentando um rico capitalista com a carestia do preço dos alimentos e a superexploração dos trabalhadores submetidos à escala 6×1, com pouquíssimos direitos.

Gestão privatista

A gestão de Rui Costa foi marcada pelas privatizações e extinção de empresas públicas. Assim que assumiu a gestão, em 2015, iniciou uma reforma administrativa que desmontou a Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA), responsável pela implementação de diversas culturas agrícolas, bem como o desenvolvimento de tecnologias para combate a pragas nas plantações dos agricultores baianos. Além disso, extinguiu a Empresa de Turismo da Bahia (Bahiatursa) e o Departamento de Infraestrutura de Transportes da Bahia (Derba), terceirizando esses serviços para as mãos das empresas privadas e do agronegócio.

Nesse pacote, também estava prevista a privatização da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa) e a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder), mas os movimentos e o povo não permitiram. Tudo isso e mais os sucessivos cortes na educação pública e as declarações a favor do genocídio do povo preto pela PM renderam apelidos para o ex-governador de “Rui Corta” e “Bolsonaro da Bahia”.

A Bahia é o 2º estado no país onde a população mais sofre com a insegurança alimentar. São 6 milhões de pessoas (42% da população), que não sabem o que vão comer no dia seguinte. Do outro lado, as três redes varejistas que mais lucraram em 2024 (Carrefour, Assaí e Mateus Supermercados) acumularam, juntas, uma fortuna de R$ 218,3 bilhões.

Com certeza, a criação de mercados públicos acessíveis à toda população é uma reivindicação justa para diminuir a fome no nosso país. Agora, o caminho para inverter essa situação de maneira definitiva é arrancar do poder esses agentes da burguesia, que estão dispostos a venderem até a própria alma para cumprir com os interesses da classe que eles servem.

Fazer uma profunda e intensa propaganda de que só o poder popular poderá acabar com a fome no nosso país e que só depende da nossa união para avançarmos. Por isso, crescer o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) a cada luta é fundamental para avançar essa consciência.

Os patrões trabalham junto com seus governos colocando o nosso povo para definhar de fome. Enquanto nós, o povo, que não aceitamos essa situação, lutamos e conquistamos as condições para que cada família organizada pelo movimento tenha o que comer dignamente.

Matéria publicada na edição impressa nº320 do jornal A Verdade

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