Empresários do transporte de Fortaleza (CE) tentam cortar e reduzir linhas de ônibus da cidade. Movimentos sociais se mobilizam em ação contra a máfia do transporte.
João Pedro Melo e Dandahra Cavalcante | Fortaleza (CE)
SOCIEDADE – No dia 29/09, a cidade de Fortaleza, no Ceará, amanheceu com mais um ataque à classe trabalhadora: mais de 25 linhas de ônibus seriam cortadas e outras 29 teriam sua frota reduzida. A decisão foi imposta sem ao menos um aviso prévio aos trabalhadores e estudantes que utilizavam essas linhas, deixando muitos impossibilitados de chegar aos seus trabalhos ou locais de estudo. Essa medida foi tomada de forma unilateral pelo Sindionibus, sindicato criado para proteger os empresários parasitas que controlam o
chamado “transporte público” da cidade.
É comum falarmos dos ônibus como se fossem de fato um transporte público, mas, nas
capitais brasileiras, são empresas privadas que administram esse serviço. Ou seja, o que
impera é a lógica do lucro acima de tudo.
Hoje, em Fortaleza, o trabalhador paga R$ 4,50 por uma passagem, gastando pelo menos
R$ 9,00 por dia. Já os estudantes, fruto de muita luta, conquistaram a garantia de duas
passagens gratuitas nos dias úteis. Ainda assim, mais de 530 mil pessoas utilizam os
ônibus diariamente. Para os empresários do transporte, porém, isso não é suficiente.
Empresários querem lucrar ainda mais com a humilhação dos trabalhadores
Em nossa cidade, enfrentamos diariamente a precariedade do transporte coletivo. Não
interessa aos empresários melhorar as condições para a população, mas sim lucrar ao
máximo, mesmo que isso signifique impor superlotação, veículos velhos, falta de
ar-condicionado e longas esperas nos pontos.
O presidente do Sindionibus chegou a afirmar que “a conta não fecha”, já que a gratuidade
dos estudantes, somada aos R$ 4,50 pagos por cada trabalhador, não seria suficiente. No
entanto, não podemos esquecer que as empresas responsáveis pelo transporte recebem,
além da arrecadação das passagens, um subsídio mensal de mais de R$ 16 milhões da
Prefeitura de Fortaleza.
Mesmo assim, após os cortes, o sindicato anunciou que as linhas só poderiam voltar a
funcionar caso o subsídio fosse elevado para R$ 23 milhões e a passagem aumentasse
para R$ 7,20. Ou seja: para os donos do transporte, não importa se o povo já passa fome
com os preços abusivos dos alimentos, nem se milhões de brasileiros vivem sem ter onde
morar, devido aos aluguéis exorbitantes, o principal é que seus lucros sejam garantidos,
mesmo que seja às nossas custas.
Estudantes se mobilizam pelo retorno das linhas cortadas
Entre as linhas afetadas estava a “020”, que atende à Universidade Federal do Ceará e
circula dentro do campus do Pici, o maior da instituição. De repente, os estudantes foram
obrigados a caminhar mais de 30 minutos até suas aulas, e aqueles com mobilidade
reduzida ficaram impedidos de acessar seus blocos.
Diante disso, o movimento Correnteza, junto ao Diretório Central dos Estudantes da UFC,
organizou dois atos já no dia seguinte, sendo um deles o bloqueio da avenida em frente ao
campus do Pici. O ato reuniu centros acadêmicos e mais de 100 estudantes, que reivindicavam não apenas o retorno da linha, mas também a ampliação da frota e o passe
livre.
Um dos principais veículos jornalísticos da cidade esteve presente e registrou o ato, que
paralisou a principal avenida do bairro e entoou palavras de ordem como: “O 020 não é
esmola, o filho do prefeito vai de carro pra escola!”.
A pressão popular e a indignação imediata ao corte das linhas tiveram efeito: no dia
seguinte foi anunciado que o serviço voltaria a funcionar normalmente. Assim, trabalhadores
e estudantes puderam novamente utilizar essas linhas essenciais ao seu cotidiano.
A luta continua
A decisão de retomar as linhas de ônibus após os atos mostrou que a mobilização popular é capaz de transformar a realidade. Mas a pauta precisa ir além. Não basta recuperar o que foi cortado: Fortaleza ainda convive com frota insuficiente, veículos em más condições e tarifas cada vez mais pesadas para o bolso da população.
Hoje, um trabalhador que utiliza dois ônibus por dia gasta R$ 9,00. Ao final do mês,
isso representa mais de R$ 200,00 — quase 14% do salário mínimo. Para muitas famílias,
esse valor compromete despesas básicas como alimentação, aluguel ou energia.
Por isso, o debate sobre o passe livre irrestrito ganha cada vez mais relevância. A medida já
é realidade em várias cidades do país. Um exemplo próximo é Caucaia, na Região
Metropolitana de Fortaleza, onde toda a população tem acesso gratuito ao transporte
coletivo. Apesar de ainda vinculado à lógica das empresas privadas de transporte.
Em Fortaleza, a proposta do passe livre vai além da necessidade imediata de deslocamento
para o trabalho e a escola: significa democratizar o acesso à cidade, à cultura e ao lazer. A
luta pelo passe livre irrestrito é, portanto, um passo essencial para enfrentar a lógica de
exploração do transporte privado e afirmar a mobilidade como um direito, e não como
mercadoria.
E isso só será possível, com a superação da lógica do lucro acima da vida! Por isso, o
passe-livre deve estar vinculado à criação de uma empresa estatal, controlada pelo povo,
de transporte público! Somente assim teremos um transporte realmente público, gratuito e que supra as necessidades da classe trabalhadora
no nosso estado.