O jornal A Verdade entrevistou Natália Lúcia Barbosa, coordenadora geral da Central dos Movimentos Populares em Pernambuco (CMP) e dirigente do MLB. Ela iniciou sua militância na União dos Estudantes Secundaristas de Jaboatão dos Guararapes (Uesj), onde militou no movimento estudantil secundarista, passando também pela Uespe, pelo processo de construção da Unidade Popular e pela recente jornada de ocupações promovidas pelo MLB em todo o país. Hoje, aos 34 anos, Natália fala sobre os desafios e as lutas de ser militante política, mãe e mulher da periferia.
Clóvis Maia | Recife (PE)
A Verdade – Como você conheceu os movimentos sociais e como foi o início da sua militância?
Natália Lúcia – Eu desenvolvi uma consciência mais política quando houve uma greve dos professores, ainda no ensino fundamental. Foram meses de greve em Pernambuco, e os professores convidavam os alunos para irem às assembleias do Sintepe. A gente se organizava, ia participar para conhecer como era. Pernambuco era um dos estados que pior pagava aos professores. Por meio de um amigo, em uma dessas assembleias, conhecemos a Uespe [União dos Estudantes Secundaristas de Pernambuco] e o movimento estudantil. Um companheiro começou a passar na minha escola, formamos o grêmio estudantil, começamos a participar de atos e manifestações e foi assim que eu fui me formando dentro da militância. Tudo começou com a luta dos professores.
Hoje você é mãe. De que maneira se tornar mãe ampliou seu olhar para a luta popular?
Quando a gente é solteiro, jovem, é mais fácil, né?! A gente tem mais tempo, tem mais condições de participar das lutas, das atividades, reuniões, assembleias. Quando a gente entra numa transformação de vida – porque ser mãe é uma transformação de vida –, a gente muda totalmente a nossa cabeça. Se a gente antes precisava do SUS, passa a precisar muito mais: pré-natal, vacina, acompanhamento médico, etc. E aí sente na pele mais ainda as dificuldades que passa o SUS, por exemplo.
Eu sofri muito pra conseguir uma vaga na creche pra minha filha, por exemplo. E na escola falta servidor, falta professor, tem que fazer rodízio de aulas. Às vezes, até três vezes na semana. Tem que pegar a menina mais cedo na creche. Então, ter um filho nessa sociedade, acaba fazendo com que a gente abra mais o nosso horizonte, tenha a perspectiva como um todo. Porque aí não é só você.
E você lutar do lado de uma mãe é diferente quando você se torna mãe. Porque tudo na nossa vida vai precisar ser planejado. Desde a hora que a pessoa se levanta, se vai almoçar, se a criança vai estar na creche, se vai ficar doente. Então, é uma outra dinâmica que vai ser necessário construir e organizar no dia a dia. Pra a gente poder manter nessa rotina de militância é muito mais difícil.
Quando observamos os movimentos sociais, em especial o de luta por moradia, vemos que é uma base geralmente formada por mulheres, mães, avós, trabalhadoras. Porém, ainda encontramos poucas lideranças de mulheres mães. Por que você acha que isso acontece?
Acho que acontece principalmente pela dificuldade de apoio, de estrutura. Porque as mulheres são, em maioria, quem vão atrás da luta pela casa para poder ter um canto para dizer que é seu, que o seu filho vai poder descansar, dormir. Mas, ao mesmo tempo, para ser uma liderança, normalmente as pessoas precisam ter tempo. Tempo para estudar, se reunir, participar das atividades. E vai precisar casar com a dinâmica da criança.
As mulheres que estão na base do MLB têm, muitas vezes, mais de uma criança. Têm também as mães de crianças atípicas, mulheres que cuidam dos seus pais mais idosos, que trabalham como diaristas ou em subempregos, mulheres que têm problemas psicológicos, que vivem em situação de violência dentro de casa e que não conseguem notar isso.
Essa sociedade é formada para que essas mulheres não enxerguem que podem mudar essa situação e que possam, mesmo naquele mínimo tempo que às vezes ela tem durante o dia, contribuir muito para sua própria formação e fortalecer o movimento. Porque a gente vê a diferença da força quando temos as mulheres participando das lutas. Quando levam suas crianças, elas não medem esforços para lutar. Então, é mais difícil para as mulheres que são mães pra gente parar, sentar e se concentrar, participar de uma reunião, de um estudo. São coisas que requerem atenção.
Eu acompanho mulheres que estão gestantes, que têm bebês pequenos, com poucos meses de vida, que têm outras crianças maiores e que se esforçam muito para estar duas horinhas numa reunião, para ajudar na leitura com o jornal A Verdade, que dispõem um pouco do seu tempo, mesmo cansadas, mas estão lá, na luta. Sem desistir.
E é com essa luta que a gente consegue puxar essas mulheres para sair, muitas vezes, de um relacionamento abusivo, para lutar por um emprego, pela sua moradia. E quando vem a conquista da moradia, é outra realidade que essa mulher vai ter com as suas crianças. Então, é um sonho que a gente luta para conquistar, mas, além disso, colocando na consciência dela que não vai ser só a casa que vai assegurar a sua vida como um todo e que a gente vai precisar continuar se organizando.
O que as organizações devem fazer para garantir a permanências dessas mulheres na luta?
Primeiro, eu acho que é preciso acolher. Quando a gente acolhe, dá uma oportunidade daquela mulher colocar suas dificuldades. Quando a gente conhece as dificuldades, enquanto coletivo, pode estudar quais seriam as melhores formas de poder organizar essa mulher, colocar e manter na luta. Às vezes, a mulher não consegue ir para uma reunião porque não tem com quem deixar o filho. E aí? A gente pode organizar uma creche.
Às vezes, é uma dificuldade econômica de trabalho. E, na maioria das vezes, é ter a paciência de compreender que a pessoa não tem o mesmo tempo que talvez o movimento ache que ela poderia ter. É uma hora, duas horas no dia, três horas, um turno, só uma vez na semana. Inclusive, o final de semana é o único tempo que ela tem livre para dar conta dos afazeres de casa ou para descansar. Ter um tempo com os filhos. É preciso ter empatia.
Dia 07 de setembro, o MLB organizou uma grande luta em todo o país, que foi a Jornada Nacional de Ocupações. Qual a importância de uma atividade como essa?
Quando a gente constrói uma ocupação, como foi o caso do 7 de setembro, a gente vê que é possível conquistar um sonho. E quando a gente levanta acampamento, enxerga ali, naquelas pessoas que estão trabalhando coletivamente, que o socialismo é possível. É na limpeza do espaço, fazendo a cozinha comunitária, a creche. A gente começa a aprender o real sentido da luta, o motivo que levou a gente a homenagear o povo da Palestina, por exemplo. Você compreende que a luta não é só na sua cidade, é no Brasil inteiro e também internacional.
Matéria publicada na edição nº324 do Jornal A Verdade.