A Eletrobras possui 233 usinas de geração de energia, incluindo Furnas e a CHESF (Companhia Hidrelétrica do São Francisco), além de seis distribuidoras e metade das linhas de transmissão do país. Em 2016, o sistema Eletrobras teve um lucro de R$ 3,4 bilhões. É esse imenso patrimônio público que o Governo Temer quer entregar ao capital estrangeiro em troca de mais corrupção para a quadrilha do MDB.
Para debater o que significa a privatização do setor energético nacional, A Verdade entrevistou o professor da UFPE, Heitor Scalambrini. Para ele, “a energia não pode ser encarada como uma mercadoria, pois o setor energético é essencial para a soberania”. Além disso, Scalambrini denuncia que a privatização resultará no aumento das tarifas de energia elétrica e mais demissões.
Da Redação
A Verdade – O Governo Temer reafirmou que a privatização da Eletrobras, projeto de Lei nº 9.463/ ano, é prioridade do seu governo. Quais as consequências dessa privatização para o povo brasileiro?
Heitor Scalambrini – Para o povo brasileiro, esta privatização resultará no aumento das tarifas de energia elétrica e mais demissões neste setor. É assim que se traduz esta tentativa de privatização de um setor estratégico para nossa soberania.
Mas gostaria de ir além deste governo. O desmonte recente da Eletrobras começa com o Plano Diretor da companhia 2013-2017, que anunciou para o período uma redução no orçamento de custeio da ordem de 30%, sendo um dos itens de contenção de despesas o Programa de Incentivo ao Desligamento Voluntário (PIDV), cuja projeção foi de alcançar entre 20% e 25% do total dos 27 mil empregados da holding (na época). Além, obviamente, da edição da Medida Provisória 579 (2012), que tratou da renovação das concessões do setor elétrico e da redução de preços nas tarifas de energia, depois transformada na Lei 12.783/2013, pelo Governo Federal, atingindo em cheio a Eletrobras, controladora da maior parte do parque gerador de energia elétrica do País.
Com a desastrada intervenção do governo, em nome da boa causa do corte das tarifas, os efeitos resultaram em um prejuízo de R$ 6,8 bilhões em 2012, o maior da história da empresa; depois de sucessivos anos positivos da estatal, que em 2011 lucrou R$ 3,7 bilhões.
É importante fazer este breve retorno na história recente do setor elétrico para chegarmos ao atual (des)governo. O mais entreguista, sem voto, sem credibilidade, sem o respeito do povo brasileiro. Temer assinou, em 19 de janeiro deste ano, o Projeto de Lei que trata da privatização da maior empresa de energia elétrica da América Latina, a Eletrobras. São 233 usinas de geração de energia, incluindo Furnas (que opera 12 hidrelétricas e duas termoelétricas), a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), além de seis distribuidoras, todas da região Norte e Nordeste, e 61 mil quilômetros de linhas de transmissão, metade do total do País.
As justificativas para a privatização são as mesmas adotadas em casos similares. De que a privatização vai ajudar a sanear as contas públicas nacionais, contribuindo com o equilíbrio fiscal, pois a empresa deixará de competir com recursos públicos para a educação, saúde e segurança; que a União sairá ganhando com uma esperada melhoria financeira da empresa, resultando num aumento da arrecadação de tributos; e que o mercado de capitais será fortalecido, pois a “nova corporação” atrairá investimentos para assegurar a expansão da infraestrutura de energia, trazendo benefícios para a sociedade por meio da segurança de abastecimento, redução de custos e melhoria dos serviços, melhoria na eficiência. Palavras e palavras, sem significado e resultado algum, quando verificamos o que ocorreu com a privatização das distribuidoras de energia elétrica.
Este pacote significa a privatização da Chesf?
A Chesf abastece 80% das cidades do Nordeste e tem uma responsabilidade social, ambiental e estratégica fundamental com esta região.
A empresa está, sim, incluída no processo de privatização do (des)governo federal. E uma das justificativas usadas para sua “venda” é que, do dinheiro arrecadado, parte será investido na recuperação do rio São Francisco, em obras como, por exemplo, a recuperação das matas ciliares. O governo acena com investimentos de R$ 350 milhões/ano durante 30 anos. Quem acredita?
Falar em privatização da Chesf é falar em privatização do rio São Francisco.
Celpe, por exemplo, pertence à Iberdrola, da Espanha; a Eletropaulo à AES Corporation, uma das maiores companhias do mundo do setor elétrico, com sede nos EUA; entre outras. Como isso afeta a soberania nacional?
Sem dúvida a distribuição da energia elétrica foi praticamente toda privatizada. E todas as justificativas para que isso ocorresse não foram atendidas. Modicidade tarifária, melhoria da qualidade da energia que chega ao consumidor, maior eficiência.
Nada disso ocorreu. Os “apaguinhos” aconteceram e ocorrem com frequência nos estados e nos municípios. Os preços pagos pelos consumidores só aumentaram depois das privatizações, atingindo preços exorbitantes e, consequentemente, lucros fantásticos para as distribuidoras.
A energia deve ser encarada não como uma mercadoria, com benefícios econômicos para alguns. O setor energético é essencial para a soberania, e deve estar na mão do Estado como órgão que planeja, executa, regula e controla.
Caso ocorra a privatização da Chesf, o rio São Francisco, na prática, também será privatizado?
A Chesf é produtora de energia elétrica e usa as águas do rio São Francisco para este fim. Rio este que nasce em Minas Gerais, passa por cinco estados e 521 municípios, e cuja bacia tem 641 km2.
Privatizar a Chesf significa privatizar o rio São Francisco. O resto são churumelas.
Imaginem, então, um (des)governo, com menos de 5% de aprovação popular, propor tal insanidade. E para os nordestinos, a maior tristeza é ver um nordestino à frente do Ministério de Minas e Energia, sendo o maior defensor de tal demência, o ministro borbônico Fernando Bezerra Coelho Filho.
Por que é importante o País ter o controle do seu sistema de geração de energia hidrelétrica, nuclear, térmica, solar e eólica, por exemplo?
Por tudo o que foi dito anteriormente: a energia representa muito mais do que uma simples mercadoria, um mero pacote de bolacha que você compra no supermercado. O papel da energia no desenvolvimento social, econômico e ambiental é fundamental para sua soberania, seu desenvolvimento sustentável. Energia deve ser encarada como um bem público, e não como mercadoria. O controle deste bem público deve estar nas mãos do Estado, que por sua vez deve ter seu controle, e poder assim decidir quanto às escolhas que melhor atendam ao conjunto da sociedade.
Uma das mentiras afirmadas na defesa das privatizações das empresas elétricas estaduais é de que isso iria diminuir o preço da energia elétrica para a população, o que não ocorreu. Entretanto, o governo volta a insistir nesta mentira para privatizar a Eletrobras. Qual sua análise sobre o objetivo da privatização da Eletrobras?
Um dos argumentos para a privatização da Eletrobras seria, com o dinheiro arrecadado da sua venda, diminuir o endividamento do Estado. Uma mentira despudorada. Na década de 90 do século passado, o governo Fernando Henrique Cardoso privatizou a Vale do Rio Doce, todas as empresas de telecomunicações, toda a siderurgia e ainda 26 empresas do setor elétrico, incluídas as usinas de geração da Eletrosul que pertencem hoje à Tractebel. O Estado entregou seu patrimônio e, mesmo assim, a dívida líquida do setor público subiu de 32% do PIB, em 1994, para 56% do PIB em 2002. O (des)governo Temer anunciou que pretende arrecadar R$ 20 bilhões com a venda da Eletrobras (preço de banana), diante de um déficit público, em 2017, de mais de R$ 159 bilhões. Na verdade, a privatização da Eletrobras seria mais um capítulo da entrega do patrimônio público, crime de lesa-pátria, o que acredito que não ocorrerá.
Os objetivos anunciados para a privatização são os mesmos de sempre, e que a história recente mostrou mentirosos.
A privatização da Eletrobras significa colocar o País em uma direção estrategicamente equivocada, tecnicamente indefensável e socialmente desastrosa. Assim, é preciso discutir o setor elétrico, melhorar a gestão das nossas empresas. Necessitamos de empresas de fato públicas e não de governos.
Em particular, o que vai ocorrer com a economia do Nordeste se houver a privatização?
Há coisas que não podem e não devem sair do controle do Estado. É o caso do rio São Francisco e das usinas que fazem parte do sistema Chesf, porque você não pode privatizar a água. Vender a empresa, como quer o (des)governo federal, para fazer caixa para pagar os banqueiros, repito, é um crime de lesa-pátria.
Vários serão os prejuízos para a região Nordeste, principalmente para a população e o meio ambiente, decorrentes da privatização da Chesf.
O que de imediato ocorrerá, além de se desfazer por preço de banana um patrimônio do País, será a elevação da tarifa de energia para o consumidor final. Outro ponto, de real importância para a região, será abrir mão da gestão dos recursos hídricos, caso a Chesf/Rio seja privatizada. Com a privatização haveria limitação quanto ao uso múltiplo das águas, o que atingiria de fato o abastecimento hídrico dos nove estados da região, colocando assim em risco a segurança hídrica de numerosa população.
É uma total irresponsabilidade que um setor que exerce tamanho impacto sobre todas as cadeias produtivas e camadas sociais seja utilizado para financiar e/ou cobrir déficits de caixa do (des)governo Temer.
O governo diz ainda que com os recursos da privatização vai revitalizar o rio São Francisco. Pelo histórico das privatizações do setor elétrico, seria mais uma mentira?
Como justificativa para a privatização o (des)governo anuncia que parte dos recursos da venda será utilizada durante 30 anos, R$ 350 milhões/ano, para a revitalização do rio São Francisco.Completamente sem nenhuma credibilidade essa promessa, para iludir os incautos. Ainda mais vinda de onde veio.