Em 1º de abril de 1964, um grupo de militares golpistas depõem o presidente eleito pelo voto popular João Goulart e instauram um regime de força, mergulhando o país em uma noite que durou vinte e um anos. Sequestros, torturas, desaparecimentos quase se institucionalizaram no país inteiro e, particularmente, nos grandes centros urbanos.
Essa realidade é abordada no filme Cidadão Boilesen, documentário de Chaim Litewski, que pretende mostrar a ligação da burguesia nacional, particularmente o grupo Ultragaz, através de seu diretor Henning Boilesen, com os militares e sua ditadura. Essa relação é jogada para debaixo do tapete desde então.
Boilesen fazia parte de um grupo de empresários que financiava a famigerada Operação Bandeirantes (Oban). Mais: Boilesen era o articulador do financiamento. Ele era o responsável por recolher, entre a burguesia paulista, as “contribuições para a caixinha”. Nessa caixinha, grande grupos financiavam não só a Oban, mas a ditadura em si. O documentário nos mostra o papel que cumpriram homens como Boilesen e mesmo o então ministro da Economia, Delfim Netto, na articulação dos empresários que financiavam o golpe.
O dinheiro era usado para capacitar os policiais (até mesmo com agentes da CIA dando cursos de “investigação” e “interrogatório”), comprar instrumentos de tortura novos (entre eles uma máquina de choques elétricos batizada em homenagem ao empresário, a Pianola Boilesen) e outros gastos.
O documentário tem como centro da narração o assassinato de Boilesen, na cidade de São Paulo, em 1971, em ação de justiçamento por parte de militantes do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) e da Aliança Libertadora Nacional (ALN). A partir desse centro, o diretor analisa a ligação íntima entre o aparelho de repressão do Estado, os militares e a burguesia nacional e internacional.
O documentário é baseado nos depoimentos de pessoas que viveram o período. Mas não fica apenas na reportagem: cenas de novelas, filmes e outros documentários são usados também como fonte para um melhor entendimento do período. Personalidades como dom Paulo Evaristo Arns, Carlos Eugênio Paz, Jean Marc Van der Weid, Frei Tito de Alencar (em passagem emocionante) falam ou sobre o assassinato de Boilesen ou sobre a repressão e a luta por democracia e liberdade que se travava nas ruas do país.
Cidadão Boilesen é um filme obrigatório para quem quer entender a ditadura militar e mesmo para quem não quer ver se repetirem a repressão e a tortura em nosso pais. O documentário ousa colocar o dedo numa ferida polêmica: a participação de civis na tortura e no assassinato daqueles que lutavam por justiça e democracia. Essencial como documento histórico e grito em favor da abertura dos arquivos da ditadura e punição aos torturadores, assim é Cidadão Boilesen.
Yuri Pires, crítico de Cinema