Uma denúncia feita por um funcionário público ao jornal inglês The Guardian revelou que estão sendo enviadas aos órgãos do Department for Work and Pensions (DWP), equivalente ao INSS no Brasil, instruções sobre como lidar com trabalhadores que ameaçam se matar.
O documento, de circulação interna, foi enviado ao jornal por um funcionário com mais de 20 anos de casa, que preferiu permanecer no anonimato. Foi acompanhado de uma carta em que dizia: “Ninguém nunca viu estas diretrizes antes, o que levou nossa equipe a acreditar que isso é devido aos cortes anunciados para as pensões. Ficamos chocados. O fato de termos lidado com o público por tantos anos sem essas orientações fez as pessoas ficarem com medo do que está por vir.”
“De repente nosso trabalho ganhou um novo aspecto. As pessoas aqui estão se perguntando a que ponto esses cortes serão selvagens. E somos nós, que estamos na linha de frente, que teremos que lidar com essas mudanças.”
O número de desempregados na Grã-Bretanha chegou a 2,48 milhões. Os jovens são uma grande parte desse total, com 963 mil deles com menos de 25 anos de idade. Quase um em cada quatro jovens está desempregado por mais de 12 meses. Entre as pessoas acima de 50 anos, 46% também estão sem trabalho por mais de um ano.
O aumento no desemprego acontece ao mesmo tempo em que direitos sociais básicos estão sendo cortados. Centenas de milhares de beneficiários dos programas de habitação ficarão sem suas casas devido a cortes do governo, o que terá um grande impacto em Londres, onde mais de 250 mil pessoas poderão ser expulsas de seus lares.
Julie Tipping, que trabalha no Departamento de Deficientes Físicos de um jobcentre (órgão do DWP), contou que no ano passado dois trabalhadores fizeram tentativas de suicídio assim que foram informados que seu benefício foi negado. Ambos foram hospitalizados.
“Essas pessoas não estão fingindo. Tem gente que pensa que elas estão exagerando só para conseguir o benefício, mas não é esse o caso. Elas estão sofrendo por problemas reais e não podem mais enfrentá-los.”
Em março do ano anterior, uma jovem chamada Vicky Harrison, então com 21 anos de idade, tirou sua própria vida com uma overdose de medicamentos. Ela já havia tentado mais de 200 vagas de emprego, e no dia anterior ao seu suicídio havia recebido mais uma carta de rejeição para uma vaga que estava tentando em um jardim de infância.
Vicky tinha boa qualificação e um impecável histórico escolar. Era viva, e muito alegre. Depois de não ter conseguido nem mesmo vagas que exigiam qualificação inferior à que possuía, ela se sentiu extremamente humilhada, tendo sido encontrada morta com três bilhetes ao lado do corpo – dois para seus pais e um para seu namorado. No dia seguinte, se estivesse viva, ela assinaria seu pedido de auxílio-desemprego, uma esmola de 51 libras semanais.
No mês anterior à denúncia desta “cartilha” para lidar com o suicídio, o mesmo jornal já havia noticiado que alguns jobcentres estavam sob pressão para cumprir metas de redução do número de beneficiários de pensões. Depois que a informação veio a público, as metas foram retiradas, mas vários trabalhadores estão sendo constantemente reavaliados para assegurar se realmente precisam do benefício.
A expectativa do DWP é que pelo menos 50% das pessoas que procuram o órgão tenham o pedido de pensão negado. Assim, essas pessoas seriam transferidas para o auxílio-desemprego, um benefício concedido sob a condição de que o trabalhador desempregado esteja procurando trabalho e que aceite qualquer um que lhe seja oferecido.
Elieanor Lisney, do movimento Disabled People Against Cuts (Deficientes contra os Cortes), afirma que a possibilidade do auxílio para deficientes ser substituído pelo auxílio-desemprego pende como uma espada sobre a cabeça dos deficientes, e que ela teme um aumento no número de suicídios.
Desde o início da década de 1990 o número de desempregados em todas as camadas da população, principalmente entre os jovens, vem chamando atenção para o risco do que poderia ser uma “geração perdida”. E o aumento do número de suicídios de membros da classe trabalhadora é sintomático de que, desesperados, sem trabalho e sem perspectivas, os trabalhadores não veem esperanças dentro dos marcos do capitalismo – alguns têm preferido a morte. Com esta “cartilha” o capitalismo atesta – se alguém ainda tinha dúvida – que é incapaz de resolver os grandes problemas criados por ele próprio e que estão colocados na ordem do dia.
Glauber Ataide, Belo Horizonte