Fernando Morais, 65 anos, autor das obras A Ilha e Olga, e um dos principais escritores brasileiros, acaba de lançar pela Companhia das Letras seu mais novo trabalho: Os últimos soldados da Guerra Fria.
O livro narra a história de cubanos infiltrados em território estadunidense em uma rede terrorista com sede na Flórida e ramificações na América Central, rede que contava com o apoio tácito, nos Estados Unidos, de membros do Poder Legislativo e com a complacência do Executivo e do Judiciário. O objetivo desses cubanos era evitar atentados terroristas contra Cuba. Cinco desses cubanos foram presos pelo FBI em 1998, acusados injustamente de espionar os Estados Unidos, e permanecem até hoje em cárceres norte-americanos. São os chamados Cinco Patriotas ou Cinco Heróis. Neste 12 de setembro completam-se 13 anos dessa injusta prisão.
O autor fez um longo trabalho de pesquisa e investigação, com muitas entrevistas oficiais e extraoficiais, inclusive com membros do FBI. Os direitos do livro já foram vendidos para ser transformado em filme.
Fernando Morais é jornalista e trabalhou no Jornal da Tarde, na revista Veja e em várias outras publicações da imprensa brasileira. Recebeu três vezes o Prêmio Esso e quatro vezes o Prêmio Abril de Jornalismo. Publicou, pela Companhia das Letras, Olga; Chatô: o rei do Brasil; Corações sujos; A ilha e Cem quilos de ouro; e, pela Planeta, O Mago, Montenegro e Toca dos Leões.
O jornal A Verdade esteve no lançamento do livro, realizado em São Paulo no dia 23 de agosto, e entrevistou com exclusividade Fernando Morais.
A Verdade – Fernando, por que fazer um livro sobre Os Cinco? O que te motivou?
Fernando Morais – Primeiro é uma história fascinante, uma história eletrizante. Desde o primeiro dia que eu ouvi essa história fiquei fascinado e, com o passar do tempo, acabei descobrindo que se tratava também de uma injustiça, um erro judicial gravíssimo; e que contá-la seria também uma forma de contar as agressões de que Cuba vem sendo vítima não só depois do fim da União Soviética, mas desde que a Revolução triunfou, em 1959. Então percebi que uma história altamente jornalística acabava permitindo que você revelasse uma situação que boa parte da população brasileira desconhece.
Depois da investigação que fez, quem você identifica como principais personagens dessas agressões contra Cuba?
A elite da comunidade cubana residente na Flórida, que, através de organizações de extrema direita, planejava e financiava esses atentados, pagava mercenários, pagava quem contratava os mercenários. O livro publica documentos sobre isso, publica conteúdo de grampos telefônicos que não deixam absolutamente nenhuma dúvida sobre tudo o que aconteceu, todos os atentados que aconteceram em Cuba, sobretudo depois do fim da União Soviética, em 1990. Eles foram inspirados, financiados, patrocinados por organizações de extrema direita de Miami.
Essas organizações eram somente de cubanos? Havia alguma intervenção de órgãos estadunidenses?
Eram organizações de cubanos, mas que agiam com a leniência e complacência das autoridades americanas. Fidel Castro, utilizando a intermediação de Gabriel García Márquez, fez chegar ao presidente Bill Clinton, à Casa Branca, um megadossiê, do qual eu tive cópia, de todos os documentos, que dão tudo: nome, sobrenome, endereço, estatura, onde trabalha, placa do carro; e filmes, pois eles foram filmados e tiveram telefonemas gravados. Tenho tudo isso, eles me deram tudo isso, me deram as imagens e me deram os áudios, não me deram só as transcrições – que mostram que não há nenhuma dúvida de que tudo o que aconteceu, todas essas violências de que Cuba foi vítima nesse período, eram planejadas e financiadas por grupos de Miami.
Há algum indício de financiamento do próprio governo dos Estados Unidos em relação a isso?
Eles são profissionais, né? Em nenhum momento há participação direta do governo. A responsabilidade do governo norte-americano está na leniência com que tratava esses grupos. Há uma coisa extremamente importante: no primeiro documento que Fidel Castro enviou para Bill Clinton ele diz que, para os Estados Unidos permitirem a existência de grupos terroristas tão perigosos na Flórida, isso iria acabar se convertendo em um problema para os próprios Estados Unidos. Onde foi que os pilotos do 11 de Setembro aprenderam a pilotar aviões? Todos os árabes que jogaram aviões contra as Torres Gêmeas e contra o Pentágono e tentaram jogar contra a Casa Branca, todos eles fizeram curso de pilotagem na Flórida, todos, sem exceção, embora não haja na Flórida comunidades árabes nas quais eles pudessem se disfarçar. Então, na verdade, a advertência que Fidel fez ao presidente Clinton em 1998, portanto três anos antes dos ataques às torres, foi profética e se cumpriu. Foi graças à leniência das autoridades americanas com o desenvolvimento do terrorismo na Flórida que o ovo da serpente foi chocado.
Com o terrorista Posada Carriles a postura dos Estados Unidos foi muito diferente em relação ao caso dos cinco cubanos. A que você atribui essa diferença de tratamento?
É o duplo critério: dois pesos e duas medidas. Posada Carriles foi absolvido agora, no começo do ano, em um tribunal do Texas, e nem estava sendo acusado pelos crimes que cometeu, estava sendo acusado por crimes absolutamente banais: falsificar documento para entrar nos Estados Unidos, não declarar isso ou aquilo… quando na verdade ele é responsável, entre outras, por uma barbaridade que foi a bomba colocada em um avião da Compañía Cubana de Aviación que caiu em Barbados e matou dezenas de pessoas, todas civis. A respeito disso o sócio dele nesse projeto, nesse atentado, Orlando Bosch, quando foi ouvido pela imprensa sobre o atentado, disse: “Todos os aviões de Cuba são militares, ali dentro não tinha nenhum inocente”.
Quais são as principais violações de direitos humanos que os Cinco têm sofrido desde a prisão?
Em primeiro lugar foram condenados por crimes que não cometeram, porque eles nunca espionaram os Estados Unidos, em nenhum momento. O Gerardo não tem nenhuma responsabilidade pela derrubada dos dois aviões daHermanos al Rescate, até porque no dia em que os aviões foram derrubados Gerardo não estava em Miami, estava levando Juan Pablo Roque para voltar para Cuba. A capitã, que era comandante da base aérea norte-americana de Boca Chica, disse que Tony [Antonio Guerrero] nunca sequer tentou espionar papéis norte-americanos e, mesmo que tivesse tentado, não conseguiria, porque não tinha acesso – ele era um torneiro mecânico, um operário, não tinha acesso sequer a computadores. Então essa é a primeira injustiça de que eles foram vítimas, e isso não é a opinião de uma pessoa de esquerda, isso é a opinião de Jimmy Carter [ex-presidente dos Estados Unidos], isso é a opinião de Robert Pastor, que foi subsecretário de Estado de Bill Clinton.
Além das penas a que foram submetidos, eles estão sendo submetidos a um castigo adicional que são as dificuldades para as famílias os visitarem nos Estados Unidos, dificuldades para a concessão de vistos para as famílias, sendo que, no caso de Olga e de Adriana, elas nunca mais puderam ver os maridos, nunca mais. São 13 anos em que eles estão presos, e elas nunca mais tiveram visto para entrar nos Estados Unidos para ver os maridos. Então, além da pena a que eles foram condenados – Gerardo está condenado a duas prisões perpétuas mais 15 anos – além disso têm um castigo adicional; ele [Gerardo] não pôde nunca mais ver a esposa dele.
Como você qualifica o bloqueio contra Cuba, que, apesar de ser condenado pela ONU, ainda assim se mantém? Que tem isso a ver com a política estadunidense em relação a Cuba?
Só tem uma explicação – e, aliás, o próprio Clinton assume isso indiretamente nas suas memórias -, que é a importância da Flórida nas eleições norte-americanas. Não há candidato a presidente nos Estados Unidos, seja democrata, seja republicano, que consiga se eleger sem ir fazer o beija-mão da comunidade cubana na Flórida, em Miami. Clinton disse nas memórias dele que promulgou a lei Helms-Burton – primeiro tem aquela retórica que é para castigar Cuba e blá-blá-blá, mas depois diz – porque eleitoralmente era um negócio interessante, porque era candidato à reeleição. As palavras não foram exatamente essas, mas diz expressamente que, como ele era candidato à reeleição, era bom fazer uma média com a comunidade cubana na Flórida.
Você escreveu dois livros importantes para o Brasil: A Ilha, que também trata do tema de Cuba, e Olga. Atualmente o movimento de mulheres no Brasil constituiu uma organização que leva o nome de Olga Benário, em homenagem a essa importante lutadora comunista. Você acha que contribuiu com seu trabalho para que Olga Benário seja uma figura conhecida no Brasil? E que expectativa tem em relação a este novo livro?
Acho que não tenho nenhum mérito, e não é modéstia mineira, mas acho que, se eu não desenterrasse esta história [sobre Olga], alguém faria isso; foi uma casualidade que eu tenha sido o responsável. Eu me lembro de uma coisa curiosa: quando estava escrevendo Olga, fiz uma pesquisa – naquela época não tinha internet, não tinha Google, não tinha nada disso… – então eu fiz uma pesquisa no IBGE para saber quantas ruas, praças ou avenidas no Brasil tinham o nome de Olga Benário; e descobri que só tinha uma, em Ribeirão Preto, e, por uma ironia do destino, num bairro milionário, num bairro chiquíssimo de Ribeirão Preto. Até hoje existe, está lá: rua Olga Benário Prestes. Se você entrar hoje na internet e procurar rua Olga Benário, praça Olga Benário, avenida Olga Benário, você vai ver que tem centenas espalhadas por todo o Brasil. No caso do Olga, a história que antes era privilégio de meia dúzia de comunistas virou uma história que é propriedade de todo mundo: o livro vendeu 700 mil exemplares, o filme foi visto por cinco milhões de pessoas, fora as exibições da Rede Globo, que atingem de 40 a 50 milhões de pessoas. Eu tenho a expectativa de que a história dos Cinco possa ter um resultado semelhante; hoje a história dos Cinco é de conhecimento de meia dúzia de militantes de esquerda no Brasil. Espero que este livro, e sobretudo o filme que vai ser feito em cima do livro, popularizem esta história, e espero que, quando a popularizarem, eles já estejam em liberdade. Hoje autografei um exemplar que vai ser levado a Cuba para ser enviado a eles nas prisões; disse que estou esperando que a gente possa festejar a liberdade deles, com eles, aqui no Brasil, bebendo caipirinha.
Vivian Mendes, coordenação do Movimento de Mulheres Olga Benário