Em pleno gozo da liberdade, conquistada com a Lei Áurea e acreditando na pregação republicana de que o Brasil seria modernizado, muitos negros ingressaram como marujos na Marinha de Guerra do Brasil. Mas o oficialato da instituição não havia absorvido o alcance social e humano do Ato de 1888.
Ao adotar as mesmas humilhações e brutalidades dos tempos da escravatura, aplicando castigos físicos nos novos marinheiros, abolidos com a Proclamação da República, o Código Disciplinar previam-se, em casos de “faltas graves”, 25 chicotadas, no mínimo.
O marujo João Candido Felisberto, durante 15 anos de carreira militar viajou não só pelo Brasil como por vários países. Na Inglaterra, onde em 1909, acompanhava a construção final de navios de guerra encomendados pelo governo brasileiro, vivenciou a diferença de tratamento dispensado aos marinheiros britânicos. Esse testemunho trouxe para seus companheiros de cá. No ano seguinte, junta-se ao comitê de Francisco Martins, o Mão Negra, no Rio de Janeiro.
Marcelino Rodrigues de Menezes, do encouraçado Minas Gerais, acusado de distribuir panfleto que denunciava os maus tratos, foi castigado com 250 açoites, defronte à guarnição formada. Na madrugada 23 de novembro de 1910, estoura-se um motim, provocando a morte do comandante. Martins pede, em carta, a extinção dos castigos corporais, melhoria da comida e anistia aos revoltosos. A rebelião alastra-se e só termina cinco dias depois, com a garantia do presidente Hermes da Fonseca, de que o assunto seria revisto e todos perdoados. Cerca de dois mil rebelados, nas ruas cariocas, aclamam o líder João Candido Felisberto, o “almirante negro”, como herói.
Oficiais juram vingança, pelo desaparecimento de colegas. A chibata volta a ser usada; 600 marinheiros são degredados para o Acre, no porão do navio Satélite, sendo fuzilados oito deles no tombadilho, e dezoito outros morrem por asfixia nas masmorras da Ilha das Cobras. Rui Barbosa, da tribuna do Senado, denuncia: “Essa mancha, essa infâmia, essa coisa sem nome, pela qual o Brasil pode ficar aparelhado com a nação mais baixa no escalão da moralidade…” O paraibano João Pessoa, Auditor da Marinha, é ameaçado por julgadores escolhidos a dedo, de um Tribunal sem jurisdição, por nas reuniões pretender buscar a verdade dos fatos. A João Candido foi concedida anistia post-mortem, por Lei Federal de 2008.