Combatente e revolucionária, alegre e destemida, Sônia Angel dedicou sua juventude à luta pela Revolução Socialista, à causa de libertação do povo brasileiro e da humanidade, da opressão capitalista. De 1968 a 1973, foram oito anos de muitas atividades políticas, quase todos vividos na clan-destinidade e dedicados à luta armada contra a tirania da ditadura militar.
Assim foi a breve, mas intensa vida da guerrilheira Sônia Angel. Infelizmente, pouco restou de documentos que pudessem contar às novas gerações seu legado e sua história. O terror e a repressão obrigaram parentes e amigos a queimar os escritos e as cartas que continham suas reflexões, porém seu exemplo continua vivo no coração e na consciência dos que lutam contra as injustiças do capitalismo.
Desperta a militância heróica de Sônia
O contato de Sônia com as idéias revolucionárias começou no ano de 1966, quando ingressou no curso de economia da Universidade Federal de Rio de Janeiro (UFRJ). Já em seu primeiro dia de aula, foi eleita representante de turma. Sua liderança despontava naturalmente, pois era uma jovem que nunca escondeu seu amor à vida, transmitindo muita alegria com o carisma de sua personalidade divertida e espontânea. Gostava de viajar, namorar e ir a festas, vivendo sua juventude com plenitude e vigor.
Foi, também, na Faculdade de Economia que Sônia conheceu o jovem Stuart Angel Jones, com quem se casou em outubro de 1968. Stuart era um destacado militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), uma das mais importantes organizações revolucionárias surgidas durante o regime militar, implantado no Brasil com o golpe de 1964.
Na prisão enfrenta a arrogância da ditadura
Sônia conheceu cedo os impactos da ação repressiva em sua vida e na de seus companheiros. Em 1969, um grupo de estudantes, entre eles Sônia, com apenas 22 anos, preparava-se para realizar panfletagem em portas de fábricas durante atividades de convocação do 1º de Maio, quando foi preso por agentes do famigerado Departamento de Ordem Política Social (Dops).
O argumento usado para justificar a prisão dos jovens foi o Decreto 477, criado pelo então Ministro da Educação, coronel Jarbas Passarinho, para reprimir as atividades das lideranças estudantis nas escolas e universidades. Com isso, Sônia foi sumariamente expulsa da Faculdade Nacional de Economia da UFRJ, onde já cursava o último ano.
Presa por mais de três meses no prédio do Dops, localizado na Rua da Relação, Sônia protagonizou um dos episódios mais ousados dos anos de chumbo, mostrando sua firmeza de jovem militante. Havia sido agendada uma visita de inspeção do então Secretário de Segurança, o general Luiz de França Oliveira. Ordenaram que todas as “detentas” ficassem sentadas em círculo e, a partir do apito do carcereiro, levantassem e se colocassem em posição de sentido diante do general. Todas obedeceram às instruções, menos Sônia, que permaneceu no seu lugar. O general entrou na cela e dirigiu-se a ela, exigindo que cumprisse as determinações:
– Levante-se, minha senhora. A senhora está diante de uma autoridade, o Excelentíssimo Senhor general Luiz de França, Secretário do Estado, e deve reverenciá-lo.
Sônia manteve-se sentada e respondeu com firmeza:
– Não me levanto pra policial nenhum!
Diante do clima de constrangimento e do receio por parte dos repressores de que aquela atitude contagiasse as demais prisioneiras, os carrascos recuaram e ordenaram que as outras presas sentassem.
Sônia foi julgada e absolvida duas vezes, por unanimidade, pelo Tribunal Superior Militar. No entanto, sua absolvição não significaria liberdade e segurança.
Sensibilidade e consciência temperadas para enfrentar a dura realidade
Tanto Sônia quanto Stuart estavam lúcidos da realidade cruel que tomava conta do Brasil naqueles anos de escuridão da ditadura militar. O aparta-mento do casal, localizado na rua Pinto de Figueiredo, na Tijuca, tradicional bairro de classe média carioca, fora invadido, revirado, saqueado e destruído pelas forças da repressão e estava sob vigilância constante. Tal situação levou Sônia a tomar todos os cuidados logo após sua saída da prisão no Dops, pois estava ciente de que iriam fazer de tudo para capturá-la novamente.
Alguns dias após sua absolvição pelas cortes da Justiça Militar, um representante do então I Exército (atual Comando Militar do Leste) foi à casa de seus pais, levando uma intimação para que Sônia se apresentasse para prestar depoimento. A intimação não passava de uma manobra dos militares para prendê-la, enquadrá-la em novo processo e, com isso, mantê-la encarcerada.
Como Sônia já havia se juntado a Stuart em lugar ignorado, seu pai, João de Moraes, se prontificou a dar os esclarecimentos em seu lugar. Na saída do quartel, um companheiro de João que estudara com ele na Escola Militar lhe alertou: “Moraes, não deixe sua filha aparecer nunca mais, porque vão matá-la”.
Exílio amadurece a opção pela luta armada
Já eram crescentes as ações armadas em todo o país. Diante da situação, os pais de Sônia e os dirigentes do MR-8 concordaram que seria melhor o exílio voluntário do casal. Mas Stuart, peça-chave da organização, não admitiu deixar seus companheiros e decidiu ficar, não havendo nada que o demovesse de sua posição. Ficou acertado que Sônia seria re-tirada estrategicamente do Brasil, uma tarefa cada vez mais difícil, devido ao aprofundamento da perseguição política. Coube então à família tratar dos procedimentos para sua retirada.
Havendo nada que o demovesse de sua posição. Ficou acertado que Sônia seria re-tirada estrategicamente do Brasil, uma tarefa cada vez mais difícil, devido ao aprofundamento da perseguição política. Coube então à família tratar dos procedimentos para sua retirada.
A saída de Sônia do Brasil foi marcada por muitas dificuldades. Até a chegada na fronteira, a fuga clandestina ocorreu com “relativa normalidade”, apesar de duas revistas minuciosas por patrulhas do Exército, espalhadas pelas estradas na busca desenfreada ao Capitão Carlos Lamarca, embrenhado com seus guerrilheiros nas matas do Vale do Ribeira. No Paraguai, um acidente com o carro deixou-os muito feridos, quase comprometendo a ação, mas a viagem prosseguiu e o embarque para a França aconteceu.
No exílio em Paris, Sônia continuou sua militância. Dedicou-se com afinco à causa revolucionária, não descuidando de ler e estudar a teoria marxista-leninista. Couberam-lhe as tarefas (exercidas por ela com grande desprendimento), de micro-filmar os materiais enviados pelo MR-8 e dar assistência política e ideológica aos companheiros enviados para fora do Brasil, confortando e apoiando, material e psicologicamente, os que estavam traumatizados pela violência da tortura, da distância do país e da família.
O árduo caminho de volta
A necessidade de organizar seus companheiros fez com que Sônia se transferisse para Santiago, no Chile. Foi na capital chilena que soube da morte de Stuart e das bárbaras circunstâncias do seu assassinato, cometido pela ditadura militar. A notícia deixou-a completamente arrasada. Esse episódio cristalizou ainda mais sua aspiração de retornar ao Brasil.
O amadurecimento ideológico se materializava e consolidava seu posicionamento diante da luta armada. Para Sônia, a luta armada deveria ser decorrente de um intenso trabalho de base, de uma forte ligação com o movimento de massa. Ela entendia que as organizações revolucionárias deveriam criar vínculos consistentes com o povo, especialmente, os operários na cidade e os camponeses no meio rural. Observando que o MR-8 não caminhava nessa direção e, inclusive, suas lideranças estavam desistindo dessa forma de luta, Sônia desligou-se da organização.
Para sobreviver, passou a trabalhar como fotógrafa profissional, mantendo, porém, sua opção pela guerrilha, o que a levou ao ingresso na Ação Libertadora Nacional (ALN); defendeu que se preparasse a volta dos exilados ao Brasil e a reestruturação da organização guerrilheira, com ações voltadas para o povo. Logo se destacou em seu novo grupo.
Apesar da enorme adversidade que o movimento revolucionário estava vivendo no Brasil, o fim de 1972 marcou a decisão da ALN favorável ao re-torno de Sônia. As condições para o retorno de qualquer exilado eram de ex-trema dificuldade, mas sua partida foi confirmada. Chegando ao Brasil em maio de 1973, ela encontrou um novo companheiro, o extraordinário guerrilheiro Antônio Carlos Bicalho Lana.
O covarde assassinato de Sônia Angel pela ditadura militar
Logo ficou evidente que havia “infiltração” de agentes da ditadura, espionando e delatando suas atividades Não demorou muito e a repressão armou uma emboscada para prender Lana e Sônia. Os dois revolucionários ainda estavam presos quando a ditadura militar se encarregou de divulgar nos principais órgãos de imprensa que ambos haviam morrido numa troca de tiros em São Paulo. A família de Sônia só pôde descobrir o fato porque sua mãe havia exigido que ela lhe contasse seu nome clandestino: Esmeralda.
O empenho da família, que se dirigiu às pressas até a cidade litorânea de São Vicente, onde residiam Lana e Sônia, na tentativa de resgatar o corpo das vítimas, foi frustrado. O clima de enfrentamento da família Moraes com os militares chegou ao absurdo das ameaças de morte e ao constrangimento da prisão de seu pai. Posteriormente, após um exaustivo processo de investigação, ficou claro que enquanto João Moraes estava preso, Sônia foi seqüestrada e conduzida para o Rio de Janeiro, onde padeceu monstruosas torturas. Levada de volta a São Paulo, sofreu novas torturas, estupro e seviciamento. Por fim, recebeu um tiro de misericórdia na nuca. Foi no dia 30 de novembro de 1973. Ela tinha 27 anos.
A morte de Sônia Angel representa mais um crime hediondo da burguesia. Mas deixou seu exemplo e sua força como jovem guerrilheira, defensora dos interesses dos oprimidos, da liberdade e da vida plena, como aspiração para todos aqueles que lutam por um mundo livre da exploração do homem pelo homem. Em cada batalha do povo brasileiro pela sua libertação e pelo socialismo, Sônia estará presente.
Bibliografia:
“O Calvário de Sônia Angel – Uma história de terror nos porões da ditadura”
Autor: João Luiz de Moraes