Passados dez meses desde a revolução que derrubou o ditador Hosni Mubarak do poder, em 25 de janeiro deste ano, a junta militar que assumiu o controle do Egito, composta por generais aliados do antigo regime, instaurou uma ditadura militar e um férreo controle sobre a vida do país, frustrando as expectativas dos trabalhadores e da juventude, que foram afastados e isolados do processo de construção do novo governo.
Em dez meses, os generais submeteram pelo menos 12 mil civis a julgamento em tribunais militares e ordenaram a tortura de milhares de opositores; também implementaram as odiadas leis de emergência impostas por Mubarak, não desativaram a famigerada Agência de Segurança do Estado, responsável por milhares de prisões, torturas e assassinatos cometidos nos 30 anos de ditadura, e permitiram o acesso a cargos públicos de antigos membros do governo, além de não resolverem os graves problemas econômicos e sociais vividos pelo país, como o desemprego, a pobreza e a falta de democracia.
A frustração pelo não cumprimento das reivindicações da revolução de 25 de janeiro levou milhares de pessoas de volta às ruas no último dia 18 de novembro, quando mais uma vez ocuparam a famosa praça Tahrir, no centro da capital Cairo, agora mais conscientes de suas exigências e dispostos a irem até o fim por elas. “O povo quer derrubar o regime!,” gritavam orgulhosos milhares de jovens, mulheres e trabalhadores.
“Não deveríamos ter saído das ruas. Entregamos o poder de bandeja aos militares. Esse foi nosso maior erro”, disse Ahmed Imam, de 33 anos. “Voltamos para casa antes da hora. Pegamos o espólio de guerra e partimos antes de a batalha ter chegado ao fim”, completou.
A nova revolta, ou “segunda revolução”, como está sendo chamada pelos manifestantes, foi motivada pela proposta de Constituição que o vice-premiê, Ali al-Silmi, apresentou no começo do mês que daria ao Exército autoridade exclusiva sobre suas questões internas e seu orçamento, além de negar a supervisão parlamentar sobre as Forças Armadas, que ainda teriam poder de veto sobre a redação da nova carta.
Durante dez dias milhares de egípcios compareceram à praça Tahrir para repudiar a proposta de Constituição e exigir que o marechal Hussein Tantawi e seu conselho de generais renunciem e deem lugar a um governo composto por civis. Ao todo, os confrontos entre a polícia e os manifestantes deixaram 41 mortos e mais de 3.500 feridos, mas conseguiram derrubar o governo de transição nomeado pela junta militar que, entretanto, se mantém no poder.
Apesar disso, e da promessa do governo de antecipar a eleição presidencial para o primeiro semestre de 2012 e realizar um referendo sobre a transferência imediata do poder provisório para os civis, os manifestantes declararam não mais acreditar nas palavras do marechal Tantawi, que foi ministro durante o antigo regime e que agora é comparado ao ex-ditador. “Nós já vimos isso com Mubarak. Foi um discurso terrível e não significa nada. Nós não vamos sair da praça até que a junta militar renuncie”, disse o manifestante Nevine Abu Gheit, 29. “Tantawi é uma cópia de Mubarak. É Mubarak com roupa militar”, completou.
A retomada das grandes manifestações por mudanças democráticas no Egito revela, além da disposição de luta deste povo, uma tomada de consciência por parte da juventude e dos trabalhadores do país, cansados de serem enganados e de verem seus direitos pisados. Iniciaram um processo de construção de uma nova história e, agora, querem chegar até o fim, pois aprenderam que não há no mundo força maior que um povo em luta. Como disse um dos manifestantes, “se conseguimos derrubar Mubarak também faremos isso com o Conselho Supremo das Forças Armadas, que são a mesma coisa. Para fazer com que os militares deixem o poder é preciso estar em Tahrir e não sair”.
Heron Barroso