Depois da Primeira Guerra Mundial, o Partido Social-Democrata (na época um partido combativo e de inspiração marxista) chegou ao governo de Viena e iniciou um programa de habitação social progressista que é exemplo até hoje. A época dos anos vinte e do início dos anos trinta do século passado ficou conhecida como “Viena Vermelha” e fez pela primeira vez moradia de qualidade acessível para muitos trabalhadores da cidade.
Em 1918, havia um grande déficit habitacional em Viena, capital da Áustria. A imigração dos países da monarquia austro-húngara levou a um forte crescimento populacional e o número de habitantes subiu para mais que dois milhões de pessoas em poucas décadas. Para abrigar os trabalhadores imigrantes e suas famílias, um grande número de cortiços privados foi construído. Mas, neles, 92% dos apartamentos não tinham banheiro próprio, 95% eram sem água, 86% sem gás e 93% sem eletricidade. Devido à especulação imobiliária, os alugueis eram altos e a maioria dos apartamentos, superlotados. Cerca de 300.000 pessoas não possuíam moradia própria e quase 90.000 conseguiram apenas alugar uma cama para dormir por algumas horas cada dia.
Depois da Primeira Guerra Mundial, surgiu um movimento de moradia que começou a erguer construções ilegais nos arredores da cidade. Várias cooperativas e mutirões foram organizados e exigiram da prefeitura de Viena um apoio financeiro e a aprovação da urbanização de terrenos. Com as eleições municipais depois da guerra, Viena obteve pela primeira vez uma administração socialdemocrata e esta começou a subsidiar o movimento pela moradia. Geralmente os futuros moradores participavam ativamente do processo de construção das casas e da infraestrutura comunitária. Em poucos anos, cerca de 15.000 unidades habitacionais foram construídas em 50 conjuntos que eram administrados pelos moradores de forma participativa.
Em 1922, Viena ganhou status de governo estadual, deixando de ser apenas um município e podendo, a partir de então, introduzir novos impostos como os incidentes sobre imóveis, restaurantes luxuosos, empregados domésticos e automóveis. Estes novos recursos foram usados para financiar um programa de habitação social próprio para melhorar as condições de moradia para os trabalhadores. A maioria dos apartamentos construídos nesse programa do governo era pequena, mas equipada com um banheiro, água e energia. Várias unidades tinham também uma varanda e acesso a pátios verdes e bem-iluminados. As mais importantes características dos conjuntos eram a densidade construtiva baixa e a infraestrutura coletiva com lavanderias, piscinas, creches, instituições de saúde, bibliotecas, áreas verdes e de lazer. A distribuição dos apartamentos ocorria de acordo com um sistema de pontuação e o aluguel era de cerca de 4% da renda de um trabalhador da época. Até 1934, foram construídos 66.402 apartamentos em 390 conjuntos habitacionais – entre eles os grandes conjuntos Reumannhof, Karl-Marx-Hof, Friedrich-Engels-Platz e Karl-Seitz-Hof. Na época, aproximadamente um décimo da população vienense já morava nesses apartamentos estatais.
Com o início do fascismo, o programa habitacional foi interrompido e pôde ser retomado somente depois da Segunda Guerra Mundial. Um crescente déficit habitacional levou à implantação de um programa de construção em grande escala a partir de 1950. Nos anos 60 e 70, foram construídos vários conjuntos novos na periferia de Viena, que atenderam às necessidades de 9.000 famílias, mas possuíam cada vez menos infraestrutura comunitária, instituições coletivas e espaços de lazer.
Desde os anos 90 está suspensa a construção de apartamentos estatais. Agora, a prefeitura de Viena financia a construção de conjuntos habitacionais por construtoras. Mesmo assim, ainda hoje, cerca de 25% das moradias em Viena pertencem à prefeitura. Mas a administração desses conjuntos, com cerca de 220.000 apartamentos e 6.000 escritórios e lojas, se tornou um empreendimento desincorporado da prefeitura. Em 2000, foi retirado do controle da Câmara Municipal para trabalhar de forma “moderna, eficaz e econômica”. Sendo assim, a submissão às leis de mercado alcançou também a administração dos apartamentos estatais. Como consequência, a distribuição e o valor dos alugueis para os apartamentos lamentavelmente já não são mais tão acessíveis como na época da “Viena Vermelha”.
Mas é um fato que especialmente os habitantes mais pobres da cidade ainda necessitam de moradia mais acessível. Isto é comprovado pela grande demanda como também pelo tempo longo de espera de vários anos para poder morar nos conjuntos da prefeitura. Dados atuais mostram que famílias com despesas mensais de até 1.634 euros gastam em média 42,9% – quase a metade das despesas totais – para moradia e energia. Os imigrantes são particularmente atingidos por condições de habitação precárias. Por isso, diversos grupos e organizações – como a iniciativa “Construir juntos, morar juntos“ – lutam ativamente por formas alternativas de realizar a moradia própria e construir o ambiente em que vivem. Nos últimos meses, estudantes e jovens passaram também a ocupar vários prédios na cidade para mostrar o seu descontentamento com o acesso a imóveis, meramente definido pelo mercado imobiliário capitalista, e iniciar projetos de moradia e cultura desenvolvidos e promovidos pelos moradores de forma coletiva.
Sob condições capitalistas, a comercialização de apartamentos segundo interesses de lucro nunca poderá ser eliminada totalmente. Mas a volta para um programa de habitação social de qualidade e financeiramente acessível com recursos públicos do próprio Estado – com o controle democrático e participação ativa dos moradores – poderia significar uma vida mais digna para muitos que hoje precisam. As influências dominantes do capital, dos bancos e da especulação imobiliária precisam ser combatidas. Ao mesmo tempo, devem ser promovidas discussões e ações na sociedade referentes a questões como: de que forma deveria se organizar na atualidade um modelo de habitação social de verdade? Quais grupos sociais deveriam ser atendidos? Como a moradia pode se tornar financeiramente mais acessível? Enfim, como seria possível garantir moradia de qualidade também às amplas massas trabalhadoras?
Katharina Kirsch. correspondente de A Verdade na Europa