Chico Science e o Manguebeat: “Eu me organizando posso desorganizar”

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Chico ScienceFrancisco de Assis França foi um músico pernambucano nascido na cidade de Olinda em 13 de março de 1966 e que morreu, precocemente, no Recife, no dia 2 de fevereiro de 1997. Seu legado, uma revolução musical: um movimento antropofágico em que o rock bebe em fontes do tropicalismo, do maracatu, do coco de roda, do hip-hop, além da black music e do funk. Somadas a isso, letras banhadas de críticas ao abandono econômico e social sofrido pela região de mangue, representada pela cidade do Recife. O nome desse movimento: manguebeat.

Chico Science foi um menino de periferia, criado no bairro de Rio Doce, em Olinda. Na década de 1970, era uma criança entre brincadeiras de rua, a escola pública, amigos, picolé, etc., etc. Seu contato, durante a adolescência, com o hip-hop e o funk influenciou-o e o fez organizar-se, em 1987, no Orla Orbe, banda de hip-hop, e, posteriormente, no Loustal, grupo de black music formado por Chico e seus amigos Lúcio Maia e Alexandre Dengue. Loustal era em homenagem ao quadrinista francês Jacques de Loustal.

Na década de 80 predominava na cidade o movimento armorial, o qual pregava uma arte brasileira erudita baseada na cultura popular sem interferência do global. O cenário cultural era um marasmo e o Recife havia sido considerado a quarta pior cidade do mundo para se viver. Então, contrapondo-se ao conceito de arte armorial, surgem músicos de periferia inconformados com essa visão simplista de nossa cultura. Nessa conjuntura surge uma arte descolada da realidade do povo, e, liderada por Science, é fundada a banda Nação Zumbi.

Por ter sido criado em periferia, certamente Chico estava ciente dos problemas enfrentados por essa parcela da sociedade tão marginalizada pelo poder público. O manguebeat de Chico Science e da Nação Zumbi, mais do que uma revolução musical em termos rítmicos mostrou-se importante instrumento de manifestação contra os problemas vivenciados por aqueles que vivem na periferia, destacando-se especialmente aqueles que povoavam os mangues.

Sua música faz menções, por exemplo, a Josué de Castro e à Teoria do Caos, quando canta “o sol queimou, queimou a lama do rio/ eu vi o xié, andando devagar/ vi um aratu pra lá e pra cá/ e um caranguejo, andando pro sul/ saiu do mangue e virou gabiru/ Oh, Josué, nunca vi tamanha desgraça/ quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça” e mostra uma dura crítica ao sistema que condiciona as pessoas a um círculo vicioso baseado em mais e mais miséria.

Segundo estudo divulgado pela revista Logos de número 26, o movimento de Chico Science vai dar palavra a uma camada da sociedade que até então não tinha encontrado um eco de maneira autônoma, e, como Palmares, quis acolher a pluralidade étnica que acolhe os excluídos do sistema colonial; daí a definição “quilombo cultural”. Assim, Chico Science e o manguebeat são reflexo de uma sociedade repleta de contradições, na qual o “de cima sobe e de baixo desce”, contradições contra as quais sua música é, sobretudo, um instrumento de luta.

Em 1997, em um acidente de carro entre Olinda e Recife, morre Chico Science, às vésperas de um show que a já consagrada Nação Zumbi faria no Carnaval do Recife. A morte do cantor e líder da banda deixou órfãos não só a Nação Zumbi, mas todo o manguebeat, que, apesar de já não contar com um dos seus principais idealizadores, permanece combatendo a divisão de classes, com relação à qual Chico deixa a dica: “Eu me organizando posso desorganizar”.

Lidiana Medeiros, Recife