O Senado argentino aprovou, por ampla maioria, o projeto de lei enviado pela presidente Cristina Kirchner ao Congresso, no final de abril, que declara de interesse público a exploração do petróleo e seus derivados no país e reestatiza a empresa YPF, antiga estatal privatizada na década de 1990.
A partir de agora 51% das ações da YPF serão retomadas pelo governo argentino, ficando este com 26,06% e as regiões produtoras com 24,99%, enquanto os 49% restantes serão de responsabilidade das províncias (estados) nos quais a empresa atua. A YPF é a líder no mercado de combustíveis na Argentina, controlando 52% da capacidade de refinamento do país e dispondo de uma rede de 1.600 postos.
De acordo com o relator do projeto, o senador Marcelo Fuentes, da Frente para a Vitória, a expropriação das ações de YPF nas mãos da Repsol “marca o início do caminho para a recuperação da soberania energética e deve necessariamente definir nossa postura frente ao resto das petroleiras”. Já para a presidente Cristina Kirchner, o objetivo da medida é alcançar a autossuficiência do país em petróleo. “A Argentina é o único país da América Latina que não maneja seus recursos naturais”. Ela também afirmou estar seguindo o exemplo de outros países que têm o controle da maioria dos seus recursos de hidrocarbonetos, como Arábia Saudita, Irã, China, Venezuela, México, Chile, Uruguai, Nigéria, Emirados Árabes Unidos, Iraque, Kuwait e Noruega.
De fato, nenhum país soberano pode abrir mão do controle de bens e recursos estratégicos. Logo, a decisão do governo argentino não é apenas justa, mas também lógica. A YPF é a única companhia nacional de petróleo e gás do país, mas foi vendida à Repsol por apenas US$ 15 bilhões em 1999, durante a onda de privatizações que atingiu a Argentina. Desde então, a produção de petróleo e gás argentinos caiu, a exploração de novas reservas foi interrompida e o país hoje importa o produto. Somente entre 2003 e 2010, o consumo de petróleo e gás subiu 38% e 25%, respectivamente, enquanto a produção caiu 12% e 2,3% no mesmo período.
A privatização da YPF tem custado muito caro à Argentina. Estima-se que o rombo do setor este ano será de 60 bilhões de dólares (há apenas três anos o setor era superavitário). “Depois de dezessete anos, pela primeira vez em 2010, tivemos que importar gás e petróleo. Também tivemos redução no saldo comercial devido à queda nas exportações do setor, que entre 2006 e 2011 foi de 150%”, afirmou Cristina Kirchner. Como se vê, não faltaram motivos ao governo argentino para expropriar a empresa e retomar para seu controle a exploração do petróleo e gás nacionais. Aliás, qualquer governo minimamente comprometido com os interesses do país teria feito o mesmo.
Privatização da YPF demitiu 36 mil trabalhadores
Durante todos os anos em que a YPF foi uma empresa pública, os trabalhadores da estatal estavam entre os que mais possuíam direitos e conquistas trabalhistas. Contratos coletivos de trabalho altamente protecionistas e amplos direitos sociais, além de moradia, hospitais, educação, instituições de repouso e lazer eram garantidos aos trabalhadores e suas famílias. Entretanto, com o início do processo de privatização, no começo dos anos 1990 essas conquistas foram destruídas e mais de 36 mil trabalhadores foram demitidos compulsoriamente entre 1990 e 1994.
A decisão argentina de expropriar a petrolífera gerou reações dos governantes espanhóis e de grande parte dos economistas burgueses, todos ainda defensores do receituário neoliberal que levou o mundo à atual crise econômica. Para Antônio Brufau, presidente da Repsol, a expropriação de sua empresa foi, além de uma quebra de contrato, uma maneira encontrada pelo governo argentino de “esconder a crise social e econômica que o país enfrenta”. Entretanto, a razão de tanta indignação nada tem a ver com “acordos quebrados” ou coisa do tipo, uma vez que os mesmos governantes e grandes capitalistas que se levantam contra tais medidas são aqueles que todos os dias rasgam acordos e contratos trabalhistas, reduzem salários e aposentadorias e cortam verbas de serviços públicos essenciais à população. O que na verdade provoca tamanha indignação desses senhores e de seus meios de comunicação é a perda de uma teta para mamar.
A nacionalização do petróleo e do gás argentinos e os demais acontecimentos similares que observamos na América Latina, como as nacionalizações na Venezuela e Bolívia, servem de exemplo para todos os países e povos do mundo, que tiveram suas riquezas entregues nas mãos de grandes monopólios e que hoje lutam pela reconquista de sua soberania.
Heron Barroso, Rio de Janeiro