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sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Em defesa da língua e da soberania nacional

No ano de 1953, quando a burguesia estadunidense reinava na França, aproveitando-se do seu enfraquecimento ocasionado pela ocupação nazista alemã (1940-1944), o economista e sociólogo Alfred Sauvy (1898-1990) escrevia amargurado no jornal Le Monde (edição de 05/08/1953):

“…Não se escreve mais États-Unis ou E.U. nos nossos textos, mas U.S.A. Esta inocente substituição não será o efeito da atração exercida pelo credor sobre o devedor, pelo protetor sobre o protegido?… Estas fraquezas contribuem poderosamente para a destruição do francês… A servidão linguística leva diretamente à servidão cultural”.
Imagine Sauvy brasileiro, vivendo na atualidade. Ele faria suas pesquisas pela internet, inclusive, em trânsito, utilizando um notebook ou um iPad, trocaria ideias com seus colegas via e-mail, pelo MSN ou Facebook. No seu escritório, sentindo fome, ligaria para um restaurante delivery ou iria ao shopping mais próximo, almoçar num self-service ou, devido à pressa, lancharia num  fast-food.  Nas palestras e cursos, utilizaria um data-show, daria um time para o coffee-break e se preocuparia com o feed-back dos alunos. É dizer, Alfred Sauvy enfartaria.

Língua e dominação

Conta o Gênesis (livro da Bíblia Cristã) que na Babilônia, há alguns milênios, os homens se julgaram capazes de chegar até Deus por meio de uma torre para questionar qual a razão de Ele tê-los jogado nesse Vale de Lágrimas. Lançaram-se à obra; já atingiam as nuvens mais baixas, quando o Senhor do Universo, sentindo-se ultrajado, decidiu impedir a façanha. E o fez, obrigando-os a falar línguas diferentes. Eles não se entendiam; tiveram de parar. O projeto ficou conhecido como Torre de Babel, que significa Torre da Confusão.

Os homens aprenderam a lição. As classes dominantes passaram a aplicá-la no controle das classes dominadas. Sabemos que, no Brasil, durante o regime de Escravidão (1530-1888), os fazendeiros compravam escravos de nações diferentes para dificultar a comunicação entre eles, pois falavam línguas diversas. Eles tiveram de aprender o português.

Desde a pré-história, os grupos ou nações dominantes buscam impor sua cultura à dominada, especialmente a língua, que é elemento fundamental da nacionalidade. O português, como as demais línguas neolatinas (espanhol, italiano, romeno, catalão) resultaram do domínio do Império Romano no Ocidente durante cinco séculos (24 a.C. – 476 d.C.). Em nosso país, a língua portuguesa foi imposta pelos colonizadores que desembarcaram de Portugal e exterminaram a cultura e promoveram impiedoso genocídio das nações indígenas.

Fica evidenciado que a língua é meio de comunicação, e expressa os interesses de quem a utiliza; manifesta a ideologia e a relação de poder entre classes e nações.

Os elementos que compõem a nacionalidade são constituídos historicamente desde a pré-história e se consolidaram na época do capitalismo ascendente, com o fortalecimento dos mercados nacionais, na luta contra a fragmentação feudal. Para a burguesia comercial, interessava a existência de nações fortes, unitárias. Assim, “províncias independentes, apenas federadas entre si, tendo interesses, leis, governos e tarifas alfandegárias diferentes, foram reunidas em uma só nação, em um só interesse nacional de classe, atrás de um único cordão alfandegário” (Marx). Hoje, após o êxito de inúmeras lutas de libertação nacional e revoluções socialistas, a burguesia tem como estratégia a formação de blocos econômicos e a chamada globalização, e tenta convencer de que o conceito de soberania nacional está ultrapassado.
Mas em momentos de crise econômica profunda, como ocorre atualmente, o rei fica nu, com a burguesia de cada país defendendo seus próprios interesses, bombardeando, inclusive, as nações que não queiram se submeter à sua lógica de dominação (Iraque, Afeganistão, Líbia, ameaças ao Irã, etc.).

As burguesias dos países periféricos, por sua vez, não têm nenhum sentimento de nacionalidade, embora formalmente o manifestem. Sua pátria é o lucro e, para esse fim, se associam às burguesias externas, imperialistas e dilapidam as riquezas nacionais (destruição da Amazônia, extração dos minérios, privatizações e assim por diante).

“Outrora, a burguesia era considerada como a cabeça da nação; ela defendia os direitos e a independência da nação, colocando-os acima de tudo. Atualmente, não resta mais traço algum do princípio nacional. Atualmente, a burguesia troca os direitos e a independência da nação pelos dólares. A bandeira da independência nacional e da soberania nacional foi atirada à margem. Sem dúvida alguma, cabe a vós, representantes dos partidos comunistas e democráticos, erguer esta bandeira e levá-la adiante, se quiserdes ser patriotas, se quiserdes constituir a força dirigente da nação. Ninguém mais, a não ser vós, poderá erguê-la”  (Stálin).

Por isso, a defesa da soberania nacional está nas mãos do povo, do proletariado de cada país.

Mantendo a identidade

“Aboli a exploração do homem pelo homem, e tereis abolido a exploração de uma nação por outra nação. No dia em que cair o antagonismo das classes no interior da nação, cairá igualmente a hostilidade das nações entre si”. (Marx e Engels). Somente então será possível a verdadeira globalização, com superação das fronteiras, com a constituição de uma língua comum. Trata-se de uma longa caminhada, na qual os primeiros passos estão se dando. Nessa caminhada, é fundamental preservar a soberania, a identidade cultural de cada povo, do nosso povo.

O que devemos fazer diante da invasão linguística que vem se aprofundando, especialmente de palavras da língua inglesa (anglicismo)?  Resistirmos e utilizar palavras correspondentes na língua portuguesa. Vamos falar e escrever sítio em vez de site; ligação, em vez de link; rato, em vez de mouse; mistura, em vez de remix; desempenho, em vez de performance; regravação, em vez de remake; vaqueiro em vez de cowboy; fone de ouvido, em vez de head-phone.

E quando a palavra estrangeira não tiver uma correspondente clara em nossa língua? Ora, somos mestres em aportuguesar. Exemplos históricos: futebol (foot-ball), gol (goal), frila (free-lancer), bife (beef), Chiclete (chiklet ou chiclet) Por que, então, não dizer (e escrever), por exemplo: imeio (e-mail), islaide  (slide).

Vamos usar nossa criatividade, que é outra festejada característica do povo brasileiro!

Prof. Zacarias, doutor em Letras e colaborador de A Verdade

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