Luiza Maia: “As mulheres precisam tomar iniciativas”

86

No dia 20 de março, a Assembleia Legislativa da Bahia aprovou o Projeto de Lei nº. 19.237/2011 (Lei Antibaixaria), iniciativa pluripartidária da Comissão da Mulher da Assembleia. O projeto que foi sancionado pelo governador Jaques Wagner proíbe “o uso de recursos públicos para contratação de artistas que, em suas músicas, desvalorizem, incentivem a violência ou exponham as mulheres à situação de constrangimento, ou contenham manifestações de homofobia, discriminação racial ou apologia ao uso de drogas ilícitas”.

A autora do projeto, deputada estadual Luiza Maia (PT), em entrevista a A Verdade fala da importância dessa lei e da necessidade de as mulheres se organizarem para lutar pelo socialismo.

A Verdade: Qual é importância da Lei Antibaixaria para a sociedade baiana?

Deputada Luiza Maia – Era necessário colocar na agenda da sociedade esse debate, pois estava crescendo a violência simbólica e psicológica contra as mulheres. Precisávamos de um projeto que pudesse, pelo menos, impedir a utilização das verbas públicas no fortalecimento e reprodução desse tipo de violência contra a mulher. A grande maioria da população conhece as letras, que, em geral, fazem referência às mulheres: “coloca aqui…”, “a sua cachorra…”, e assim por diante. As pessoas que produzem essas músicas, que chamamos de baixaria, não têm esse direito, mas o fazem cada vez mais e ganham muito dinheiro. Ainda há uma parte da grande mídia apoiando. Estou no meu primeiro mandato de deputada, mas fui vereadora da minha cidade, Camaçari. Lá nós fizemos uma discussão com o prefeito, e colocamos que não dava mais para utilizar dinheiro público, contratando bandas que difamam a imagem das mulheres. Então foi a primeira cidade a ser resolvido. Mas ainda há enfretamentos que temos que fazer, pois algumas bandas dizem que não vão tocar e, na hora, tocam. Para isso, consta no projeto aprovado que, qualquer órgão público que contratar uma banda e não cumprir a Lei Antibaixaria está sujeito, a pagar uma multa no valor de R$ 10.000, além, do descumprimento por parte do contratado, que ficará sujeito ao pagamento de multa no valor equivalente a 50% do valor do contrato. Esse é um momento para a sociedade refletir, que ninguém tem o direito de xingar, desrespeitar, desvalorizar a mulher, que é a maioria da população. Nós sabemos que esse projeto não vai resolver o problema do machismo, pois ele está incrustado na nossa cabeça, inclusive das mulheres. Para desconstruir isso não será apenas com um projeto de lei, de uma hora para outra. Mas o principal objetivo dele é colocar a sociedade para refletir sobre essa questão. Já são nove meses de debate aqui na Bahia, e foi a pressão da sociedade, dos movimentos, que conseguirmos aprová-lo. Eu acho que foi um grande avanço para sociedade baiana, um passo largo que demos contra a violência à mulher, mas ainda temos a bandeira empunhada muito tempo para desconstruir esses valores machistas na sociedade.

Alguns acusam seu projeto de querer censurar a liberdade artística e cultural, o que você acha disso?

É um argumento fácil de ser desconstruído porque tivemos o apoio de várias instituições e profissionais como advogadas, as pesquisadoras do curso de Literatura e Estruturação Musical da UFBA. Em vez de ser censura, o projeto regulamenta a Constituição Estadual e a própria Constituição Federal, quando diz: “É papel do Estado zelar pela dignidade do ser humano, tanto o homem como a mulher, em condições de igualdade”.

Quem discorda do projeto fica enfeitando falsas polêmicas. No primeiro momento, as bandas que cantam pagodes ficaram estressados comigo, me xingaram, me ameaçaram nas redes sociais, mas aí agente foi enfrentando a discussão. Não tenho nada contra o pagode, eu sou pagodeira, não estou fazendo demagogia não, mas o que esses meninos têm que refletir, o que não concordamos, é com essas letras que degradam a imagem da mulher. O problema não é o ritmo, mas o conteúdo.

Nós fomos ganhando a sociedade para isso, e essas músicas incomodavam muito as mulheres na Bahia. O apoio que tivemos foi muito grande, pois constrangia muito as mulheres e nada se fazia, ninguém tinha coragem de fazer esse projeto.

Você sempre esteve na luta pela igualdade entre homens e mulheres e por uma sociedade justa.  A que você atribui esse momento de avanço das mulheres nas lutas em vários países?

Eu acho que a mulher, no decorrer da história, vem tendo consciência do seu papel, e vem ocupando esse lugar, saindo do espaço doméstico e vindo trabalhar. Claro que muito mais por uma necessidade de vida. Hoje temos 40% dos lares brasileiros chefiados por mulheres, mas acho que ainda é pequena a representação nos espaços mais importantes. Ela chega ao mercado de trabalho, mas para chegar às chefias, aos cargos mais importantes, não tem conseguido. Na Assembleia Legislativa da Bahia, dos 63 deputados, apenas 11 são mulheres. Na Bahia são 417 municípios e temos apenas 47 prefeitas. É preciso muita determinação, dedicação, nossa escolha de estar na militância, pois temos muitos obstáculos a serem superados. Acho que falta retornar para o movimento de mulheres a pauta do socialismo. A gente sabe como o capitalismo tem a capacidade de renovação, colocando outra cara, e como tem muita força nos meios de comunicação, o que acaba tirando da pauta o socialismo. Para mim, o capitalismo está fracassado, não resolve os problemas das desigualdades da humanidade. Nós temos um bilhão de seres humanos morrendo de fome, e essa questão da mulher não está descolada disso, por que nós sabemos que no capitalismo tudo vira mercadoria, inclusive a mulher, principalmente a mulher jovem. É a destruição do valor da mulher como ser humano para ter valor somente como corpo. As mulheres precisam tomar iniciativas de se organizar. A organização não vai cair do céu para os trabalhadores, temos que nos organizar e lutar. Não podemos achar que, só por que elegemos uma mulher como presidente, serão resolvidos os problemas das mulheres. Não vai, e não por que ela não queira, mas é o sistema. A concentração de riqueza nesse Brasil é muito grande.

Que mensagem você deixa aos leitores do jornal A Verdade?

Temos ainda muito pouco no Brasil uma literatura que fale mais das consequências do capitalismo. Acho importante o jornal A Verdade, que tem o papel de esclarecer a população de seus direitos e do poder da sua luta.

Claudiane Lopes, Salvador