Durante o período da escravidão no Brasil, as tarefas domésticas e os cuidados com os filhos dos senhores eram realizados pelas escravas, supervisionadas pelas “sinhás”, as donas da casa. Como eram escravas, sofriam todo tipo de exploração.
Mesmo com o fim da escravidão decretado, legal e tardiamente, em 13 de maio de 1888, a relação entre a dona da casa e a “empregada” ficou disfarçada, mas em sua essência pouco mudou. Recente pesquisa do Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] mostra que os empregados domésticos brasileiros estão trabalhando mais e ainda continuam ganhando menos do que um salário mínimo. Desses trabalhadores, 93% são mulheres e menos de 30% têm carteira assinada. Além disso, a maioria das empregadas (61%) é negra e quase metade tem entre 30 e 44 anos de idade. Atualmente, a média salarial das empregadas domésticas brasileiras é de R$ 386,45, bem abaixo do salário mínimo.
O estudo do Ipea mostra também que a jornada média de trabalho das empregadas domésticas no Brasil é de 53 horas semanais, sendo este o trabalho remunerado com maior déficit de trabalho decente.
De fato, as empregadas domésticas geralmente estão distantes de suas comunidades de origem, “importadas” para o trabalho em casas de pessoas de classe média. Assédio moral e sexual, violência, trabalho forçado e pesado, jornadas extenuantes, alimentação limitada, baixos salários, não pagamento de horas extras, ausência de contribuição à Previdência Social e de acesso à saúde e até a retenção de documentos estão entre os abusos registrados contra essas profissionais.
Entretanto, esta não é uma realidade só do Brasil. Grande parte das mulheres da América Latina trabalha como empregada doméstica. No México são 5,5 milhões, na Argentina, 3,5 milhões, e, na Colômbia, 2,4 milhões, segundo dados da OIT [Organização Internacional do Trabalho].
Ainda é comum as famílias mandarem buscar meninas no interior para trabalhar em suas casas, com a desculpa de “criá-las”. As empregadas domésticas chegam ainda crianças e têm que enfrentar responsabilidades de adultos e longas jornadas de trabalho, muitas vezes à desculpa de que a pessoa “faz parte da família”, o que encobre o prolongamento da jornada de trabalho.
De acordo com a lei, a empregada que cozinha e cuida de crianças não deve ganhar mais por isso. A patroa também pode descontar até 20% do salário referente à alimentação e ainda cobrar um aluguel para ela morar no emprego.
Segundo dados do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas da Bahia (Sindoméstico-BA), “o serviço doméstico é o setor que mais emprega mulheres na capital baiana, cerca de 93,1% do total de trabalhadores. O fator racial é preponderante. Das seis capitais estudadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas em São Paulo e Porto Alegre os negros ou pardos não são maioria. Com 91,9% de trabalhadores domésticos afrodescendentes, Salvador apresenta o maior índice do país. A profissão só foi regulamentada na Constituição de 1988, assegurando conquistas como férias, décimo terceiro salário, folga semanal, aposentadoria e licença-maternidade. Apesar disso, a empregada doméstica ainda não tem todos os direitos trabalhistas previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Sendo chamadas de “senzalas modernas”, as casas dos patrões são onde as empregadas em geral moram, em quartos pequenos, e não andam no mesmo elevador”.
Além disso, ainda existem as agressões físicas e morais das patroas contra as empregadas, que ocorrem no dia a dia e são colocadas nas telenovelas de forma divertida, como é o caso da nova novela da TV Globo em que a cantora de eletroforró vivida pela atriz Cláudia Abreu agride a empregada doméstica vivida pela atriz Thaís Araújo, retratando esse comportamento como se fosse apenas “probleminhas entre mulheres” ou “conflito de personalidade”. Frases como “lhe pago não é pra tu ficar na rua não, sua égua!” e cenas em que a patroa joga sopa na empregada, por ter queimado sua roupa, são tratadas como diversão. O objetivo é transformar esta exploração e opressão cotidiana das trabalhadoras domésticas em piadas e divertimento. A realidade é que em nossa sociedade as mulheres trabalhadoras são tratadas como mercadoria. Vemos esta exploração da trabalhadora doméstica cristalizada como algo natural desde a escravidão até os dias de hoje.
Por isso, somente quando tivermos uma sociedade coletivizada as chamadas tarefas domésticas, com restaurantes, lavanderias coletivas e creches que realmente atendam a todos e a todas, é que as mulheres e homens terão liberdade de fato e, então, teremos o fim da exploração de todos os trabalhadores e dessa discriminação.
Gabriela Valentim e Carolina Mendonça, São Paulo
Militantes do Movimento de Mulheres Olga Benário