Adriano Diogo é geólogo sanitarista formado pela USP. Nasceu em 30 de março de 1949, no bairro da Mooca, Zona Leste de São Paulo. Em 1969, entrou no curso de Geologia na Universidade de São Paulo e passou a organizar o movimento cultural na universidade. Era integrante do Grupo de Teatro Politécnico, o GTP, como ficou conhecido, modelo de ação cultural contínua no meio estudantil.
Por sua participação destacada no movimento estudantil na USP e sua luta contra o regime ditatorial de Emílio Garrastazu Médice, Adriano Diogo foi preso e torturado pela Operação Bandeirantes (Oban), em 1971.
Libertado, em 1973, organizou a luta pela anistia e pelos direitos humanos. Engajou-se nas reivindicações populares e foi um dos líderes do movimento de moradia dos encortiçados do Centro da cidade de São Paulo e do bairro da Mooca.
Foi eleito quatro vezes vereador da Capital e hoje é deputado estadual pelo PT. Por proposta sua, a Assembleia Legislativa criou a Comissão Estadual da Verdade. Foi sobre a criação da Comissão e a violação dos Direitos Humanosnos dias de hoje que o jornal A Verdade conversou com Adriano Diogo.
A Verdade – Na sua opinião, quais são os objetivos a serem alcançados pelas Comissões da Verdade, seja a nacional ou a criada pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo?
Deputado Adriano Diogo – A Comissão da Verdade é uma enorme responsabilidade e um enorme desafio, ela significa uma tentativa do povo brasileiro de encerrar um período histórico que aparentemente terminou em 1985, mas que os efeitos permanecem até hoje. As pessoas acham que em 1988, quando veio a nova Constituição, se criou um marco legal brasileiro que iniciou um novo período, isso em parte é verdade. Se a Comissão da Verdade conseguir levar até as últimas consequências seus objetivos, ela encerra o ciclo do Regime Militar. Sem exageros, podemos dizer que o Regime Militar começou em 1964 e poderá acabar em 2014, se a Comissão da Verdade apurar quem deu o golpe, quem se apropriou do Estado brasileiro, quem assassinou tantos brasileiros e quem usufruiu econômica, política e militarmente do golpe.
Se a Comissão da Verdade for um processo de massas, compreendido como uma das etapas da luta do povo brasileiro na busca de sua libertação e afirmação, ela pode ser importante para iniciar uma nova etapa na história do Brasil.
Outro ponto importante é que a Comissão da Verdade pode representar um ponto de unificação de setores que estiveram unidos na resistência à Ditadura e depois se pulverizaram. Se ela virar um verdadeiro movimento nacional, pode reaglutinar forças que estão em campos distintos e significar um novo avanço democrático para o povo brasileiro.
Você esteve presente no lançamento da Comissão Nacional em Brasília. Qual sua expectativa?
Se a Comissão Nacional não delegar poder e responsabilidades para as Comissões estaduais e municipais, das universidades, dos sindicatos, de entidades com a OAB, que foi criada recentemente na cidade de São Paulo; se ela não souber fazer esta capilaridade, eu acho que dificilmente as Comissões sobreviverão. A Comissão Nacional tem uma enorme tarefa junto aos patriotas que desejam participar dessa releitura da história, que é a de atribuir responsabilidades, e o Estado brasileiro tem a responsabilidade também de abrir seus arquivos para que o povo saiba a verdadeira história do nosso país. Ou seja, como o golpe foi dado e como eles conseguiram manter um Estado de exceção por 20 anos.
No caso de Manoel Lisboa, dirigente do PCR assassinado sob torturas na prisão, o Exército afirma que ele morreu num tiroteio em São Paulo, inclusive, no livro “Memórias de uma Guerra Suja”, com depoimentos do torturador Cláudio Guerra, há outra versão para seu assassinato, tão mentirosa quanto. Você acredita que casos como este serão investigados pela Comissão da Verdade?
Eu acredito que os fatos estão documentados, que esses documentos estão muito bem guardados, que não foram destruídos, e que chegou a hora de serem conhecidos. A Comissão Nacional da Verdade fez uma visita ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, pedindo acesso a todos os arquivos. É evidente que a história desse companheiro é muito relevante e tem que vir a público. Eu acho que as histórias que o Cláudio Guerra conta têm verdades, distorções e mentiras. Eu li a edição do jornal A Verdade em que foi publicada que esta história estava errada, que não corresponde à realidade, mas eu acho que o livro do Cláudio Guerra contribui para revelar a metodologia utilizada pela Ditadura. Esta e outras histórias têm que vir a público.
Você tem acompanhado os casos de assassinatos, principalmente da juventude pobre, cometidos pela Polícia. Você vê relação entre essas mortes e uma cultura que ainda persiste depois da Ditadura?
Exatamente. Essa escola do Coronel Telhada, do Bolsonaro do Rio de Janeiro, do Coronel Curió, do General Ustra forma gente nos quartéis até hoje.
As Polícias Militares foram fundadas na Ditadura como força auxiliar das Forças Armadas, sendo, portanto, equiparadas com soldados em guerra, e soldados em guerra têm um só objetivo: matar ou ferir seu inimigo. Essa filosofia persiste. E quem são os inimigos desses soldados em guerra? O povo. Enquanto isso não mudar, a permissividade da pena de morte vai existir. Um soldado não vê a morte como abuso de poder, como exceção. Ele vê como consequência natural da guerra. Por isso vivemos nesse clima permanente de guerra civil. Qualquer jovem, negro principalmente, da periferia, trajado como rapper, ou um motoboy, por exemplo, pode ser alvejado porque sua roupa o leva a suspeição. E na guerra ninguém é punido, ao contrário, você é promovido por matar, quanto mais mortes, mais heroico é seu ato. Essa lógica não leva a nada. Em uma guerra quanto mais um lado se fortalece o outro busca se fortalecer, isso resulta na morte para os dois lados.
Tem que haver uma refundação do Estado brasileiro. Assim como o Brasil precisa de um novo reordenamento político porque os grandes partidos políticos não respondem mais às expectativas, é necessário um reordenamento jurídico-militar organizacional, principalmente das polícias, que não dão mais conta, não dão conta da democracia, da diversidade de opinião. Muitas vezes, esses jovens que são presos, mortos, são intimidados e interrogados porque não aceitam a forma da abordagem e respondem de forma dura, então é quase um delito de opinião.
Qual mensagem gostaria de deixar para nossos leitores?
Eu quero parabenizar vocês, eu acho que vocês têm um espírito de agregar, de formar gente dentro de uma ética transformadora, uma ética revolucionária, porque não existe geração espontânea, a juventude tem que ter uma causa, uma forma de se organizar como vocês fazem, reunindo tantos jovens, acalentando um sonho de transformação e da revolução brasileira.
Vivian Mendes, São Paulo
Para bens dep adriano diogo um abraço do seu amigo lucio pinheiro
no golpe de 1964 os militares agiram politicamente