Já faz parte da rotina da população dos países chamados periféricos o tema das dívidas públicas e do comprometimento de parcelas significativas dos orçamentos estatais para pagamento de juros e de amortizações. ¹
Atualmente a grande mídia se dedica a esconder os reais motivos da grave crise econômica internacional, porém já é impossível esconder que o processo de endividamento das grandes potências econômicas transformou-se em uma bola de neve, impraticável até mesmo para os ditos países de primeiro mundo.
No Brasil, a soma das dívidas interna e externa já chega a R$ 3 trilhões. Diariamente os trabalhadores e trabalhadoras desembolsam cerca de R$ 2 bilhões destinados ao pagamento de juros e amortizações. Fazendo uma análise l dos dados que evidenciam o nível de desigualdade social existente no país, como um déficit habitacional de cerca de 7,2 milhões de unidades, 77 milhões de brasileiros que não têm acesso ao saneamento básico, cerca de 90% dos jovens excluídos da universidade, etc., pode-se chegar a concluir o quanto é criminosa a prática de priorizar o pagamento de juros em detrimento do investimento em infraestrutura e políticas sociais. Ou seja, além de pagar, o povo deixou de receber.
Nos últimos anos os Estados brasileiros, através de seus poderes Executivo e Legislativo, têm feito movimentações no sentido de tentar uma renegociação de suas dívidas com a União, alegando que já há grave comprometimento do poder de investimento em políticas públicas.
É necessário que se faça um retorno às décadas de 1970 e 80, não por coincidência período onde era vigente o regime militar fascista, para que se possa entender melhor a dívida de Estados e municípios. Nesta época a “Grécia” eram os países periféricos, ou seja, a crise econômica batia à porta, os índices de inflação eram exorbitantes e havia alto grau de tomada de empréstimos por parte dos Estados, municípios e União com organismos internacionais, com destinação ainda nebulosa, mas sempre sob o discurso de necessidade de investimentos e de que havia um milagre econômico no Brasil. Há fortes indícios, não só no Brasil, de que os recursos, que acabaram por engrossar o caldo da dívida, foram utilizados para financiar golpes e regimes militares em toda a América Latina.
Bem como ocorre hoje com os países europeus fortemente endividados, foram praticadas medidas de austeridade, ou seja, planos que impuseram medidas de mudanças econômicas foram implementados nos países devedores. No Brasil não foi diferente. Para o Fundo Monetário Internacional, o FMI, e demais credores internacionais e nacionais, era melhor negociar e cobrar diretamente de um devedor do que de vários. Sendo assim, a União assumiu a dívidas dos Estados e passou a ser credora de cada um deles.
Como parte do pagamento e amortização das dívidas dos Estados, várias empresas e bancos estatais foram privatizados. A prática de sanear e privatizar, ou seja, reestruturar e absorver dívidas e privatizar apenas a fatia saudável das empresas, foi prática corrente. Logo, a população dos Estados pagou pela reestruturação de empresas e bancos e, em seguida, presenciou a venda de tais instituições por valores irrisórios. Ao longo dos anos, a União repassou os valores pagos pelos Estados para o pagamento de sua própria dívida externa, ou seja, há ligação direta entre ambas as dívidas. Este chamado Sistema da Dívida, internacionalmente praticado, compromete a receita dos países, inviabiliza a melhoria das condições de vida da classe trabalhadora e serve apenas para perpetuar esta ciranda financeira.
No ano 2000, aconteceu no Brasil um plebiscito que consultou a população sobre o pagamento da dívida pública. Cerca de 90% dos votantes declarou ser contrário ao pagamento da dívida, o que evidenciou o descontentamento da classe trabalhadora com o fato de ser financiadora direta de bancos e instituições nacionais e internacionais enquanto morre à míngua em filas de postos de saúde e não tem acesso à educação e a salários dignos. Criado pouco depois do plebiscito, o Núcleo de Auditoria Cidadã da Dívida reuniu diversas entidades, organizações de classe e cidadãos com o intuito de questionar o pagamento da dívida, argumentando que o povo paga por uma dívida que não é conhecida, não é clara e é cobrada de maneira ilegal. Assim como foi feito no Equador, o núcleo reivindica que seja feita uma auditoria oficial na dívida pública e que, até lá, o País suspenda os pagamentos.
É necessário que os trabalhadores se organizem para exigir a imediata auditoria da dívida pública e que os Estados e a União suspendam imediatamente o pagamento dos juros. O povo já não suporta mais ser explorado para que sejam garantidos os interesses do grande capital.
Raphaella Mendes, militante do PCR
(Colaboração: Eulália Alvarenga, Coordenadora do Núcleo de Auditoria Cidadã de Minas Gerais)
¹ Processo de extinção de uma dívida mediante pagamentos periódicos, que são realizados em função de um planejamento. Mais informações: www.auditoriacidada.org.br