Me lembro daquele dia, na primeira reunião do núcleo da Juventude (JRE) que você formou no colégio Cinco de Junho, participei por um convite de uma companheira de curso, chamavam-na de “a gata”, se lembra dela? Era alta, branca e com lindos olhos de gato.
Há muito tempo que procurava por vocês, e cheguei ao lugar certo, nessa reunião te conheci, desde aquele dia eu não parei em minha atividade, mesmo na prisão não deixei de ser ativo: sempre organizando, sempre desenvolvendo idéias, propostas, iniciativas … sempre lutando.
Devo te dizer que nesses anos de prisão tenho compreendido um pouco mais o que significa ser livre, e estou convencido que me cheguei a se-lo quando ingressei na organização. Você, amiga e camarada, teve uma grande participação nesse processo de libertação.
Ser livre significa pra mim romper cotidianamente as cadeias da alienação ideológica que o sistema capitalista constrói todos os dias em nossa consciência. Ser livre é cortar essas milhares de amarras que nos atam às concepções, idéias, modelos, mentalidades, preconceitos, conceitos que nos impõe uma única forma de vida e um único caminho a seguir: ser mais uma peça da grande máquina opressora que nos domina. Quando ingressei na organização, comecei esse processo de libertação e ainda estou lutando todos os dias para ser um pouco mais livre.
Um belo dia, de uma hora pra outra, me tiraram o direito de ir e vir, me prederam num caixão de cimento, rodeado de barras, cadeados, correntes, regras, regulamentos, vigilantes, disposições administrativas, e a ameaça permanente de transferências… Enfim, minha existência ficou reduzida ao controle institucional de quem pretende me “rehabilitar”. Me arrancaram de minha familia e amigos, fui colocado com presos comuns para que saiba que “se rebelar contra a grande máquina é um crime, pior ou mais desprezível do que matar, roubar ou estuprar”.
Esta situação deveria provocar uma mudança em minha essência, já não sou o mesmo, agora sei o que é ser livre. Todos os dias assimilo essa realidade e compreendo que nada poderá voltar a me prender, nada poderá tirar a MINHA LIBERDADE. Somos livres amiga, saimos da escuridão e de um mundo de mentiras, a organização nos deu a luz e agora sabemos “o porquê“ de todas as coisas que passam neste mundo e por isso sabemos como transformá-lo e vamos mudá-lo, disso estou plenamente seguro.
Somos livres porque abandonamos a miragem e o sonho eterno em que vivem milheres de pessoas que acreditam ser livres, nossa tarefa agora é libertar a todos, devolver a dignidade ao ser humano, por isso vivemos, essa é nossa responsabilidade de vida.
Há muitos anos me deste a mão, abriu-me a porta e me convidou a ser parte desta organização de seres humanos livres, me convidou a seguir este caminho que jamais deixarei, por isso sou eternamente agradecido.
Uma mulher me deu a vida, uma mulher me deu a felicidade e uma mulher me deu minha liberdade.
Teu amigo Marcelo Rivera
Janeiro de 2013
Entenda o caso
Em dezembro de 2009, Marcelo Rivera, então presidente da Federação dos Estudantes Universitários do Equador – FEUE, foi preso, acusado e condenado pelo governo de Rafael Correa de “agressão terrorista” e “destruição de bens”, por lutar contra uma reforma universitária que estava sendo imposta pela reitoria de sua Universidade.
No dia 27 de fevereiro de 2013, após cumprir 3 anos e 2 meses essa injusta pena, Marcelo Rivera finalmente foi solto e poderá, enfim, se incorporar as trincheiras de luta pela real libertação do homem e da humanidade.