No dia 16 de dezembro passado, uma comitiva formada pela presidente Dilma Rousseff, o ministro dos esportes, Aldo Rebelo, e o governador do Ceará, Cid Gomes, além de vários parlamentares estaduais e federais, inaugurou o primeiro estádio brasileiro a ficar pronto para a Copa do Mundo Fifa 2014, a Arena Castelão, em Fortaleza. A obra custou mais de R$ 600 milhões, ou seja, R$ 100 milhões a mais do que estava previsto no orçamento inicial. Para além do simbolismo político da inauguração, a situação de miséria, drogas e prostituição que tomam conta dos arredores do estádio passou longe dos jornais, programas de TV e também da própria presidente e sua comitiva.
A Verdade esteve presente nos pontos de prostituição próximos ao estádio e entrevistou M.L., de 31 anos. Ela morava no interior do Ceará, na cidade de Russas, e trabalhava numa fábrica de cerâmica. Mudou-se para Fortaleza, juntamente com os dois filhos – um menino de 10 anos e uma menina de sete – porque a família não aceitava o seu relacionamento com o pai das crianças, um rapaz envolvido com o crime. Pouco tempo depois, o marido de M.L. foi assassinado a mando do tráfico de drogas. Desde então, há dois anos, passou a se prostituir. “É daqui que tiro o sustento dos meus filhos”, disse. “Não somos felizes nessa vida. Não tem condição de ser feliz tendo que vender o corpo para comprar bebidas e drogas”, finalizou. Já bastante nervosa e preocupada, pediu para terminar a entrevista ao perceber que um homem numa motocicleta já havia passado várias vezes por nós. Poucos metros à frente, mais garotas e travestis se prostituíam. Em vários pontos, nossa equipe viu homens abordando crianças, mulheres e travestis.
O crescimento da prostituição em Fortaleza está diretamente ligado com o tráfico de drogas. Por menos de R$ 5, pedras de crack são vendidas por agenciadores e traficantes, sendo os próprios jovens que se prostituem os principais alvos desse mercado. Nas comunidades próximas ao estádio, a miséria é alarmante. Casas simples, ruas sem calçamento, esgotos a céu aberto, iluminação pública precária, além da sensação de insegurança. Em média, o preço cobrado por um programa varia de R$ 30 a R$ 40, mas, percorrendo a Avenida Presidente Juscelino Kubitschek, que dá acesso ao estádio, é possível encontrar jovens que cobram R$ 10 ou um prato de comida, na hora do almoço.
73 pontos de prostituição em Fortaleza
De acordo com a Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Municipal de Fortaleza, existem 73 pontos críticos de prostituição de crianças em áreas nobres da cidade e na periferia. “Fizemos um trabalho científico, com apoio da Universidade Estadual do Ceará, e, de prático, houve apenas duas operações policiais, que prenderam o gerente de um café famoso na orla marítima. Durante as investigações, alguns locais foram fechados, mas estão abertos novamente, e a Copa pode significar o descontrole na exploração infantil. Ninguém faz nada. A rede é muito poderosa, tem gente influente, com certeza”, afirma Eliana Gomes (PCdoB-CE), que participou da CPI.
Porém, para as grandes construtoras e empreiteiras responsáveis pelas obras para a Copa do Mundo na cidade, não falta dinheiro. Até agora, mais de R$ 1 bilhão foram retirados dos cofres públicos para a construção de viadutos e alargamento de vias, entre outras obras.
O cantor e compositor Fagner fez o show de inauguração da Arena Castelão e a presidente Dilma deu o pontapé inicial. Fortaleza x Sport e Ceará x Bahia, pelo Campeonato do Nordeste, em rodada dupla realizada no dia 27 de janeiro, fizeram os primeiros jogos oficiais. Os ingressos variaram de R$ 25 a R$ 150.
Assim, segue a vida de uma grande parcela da juventude que fica nas esquinas, praças, rodovias e orlas marítimas das cidades brasileiras. Abandonadas pelo sistema social a que estão submetidas, o capitalismo, sem educação e emprego, tendo como única forma de sobrevivência a mercantilização do próprio corpo e suas consequências para um desenvolvimento não saudável da sua sexualidade, acarretando sérios prejuízos psicológicos e morais que carregarão por toda a vida.
Seus sonhos e perspectivas caem todos por terra. “Não quero essa vida pra minha filha, de jeito nenhum!”, emociona-se uma jovem entrevistada por A Verdade, a mil metros de distância do estádio que custou milhões, e que ficou de fora da sua festa de abertura.
Paula Virgínia e Michell Plattini, Fortaleza
(Colaboração de Emanuel Menezes)