Quem se lembra de Neto Maranhão?

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Neto MaranhãoNo país da Copa de 2014, cuja estimava de custo total é de R$ 80 bilhões, a falta de infraestrutura da imensa maioria das equipes do futebol brasileiro beira o absurdo. Há um grande esforço por parte da grande mídia, da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e dos megapatrocinadores em apresentar o fato de que o futebol nacional ganhou novos ares nos últimos tempos. Mas nada que se sustente a um olhar mais atento. A saída do corrupto Ricardo Teixeira da presidência da CBF não mudou em nada a estrutura do futebol no País, até porque em seu lugar ficou o ex-governador biônico de São Paulo José Maria Marin, acusado, entre outras coisas, de delatar aos órgãos de repressão da ditadura militar o jornalista Vladimir Herzog.

No noticiário esportivo, o que vemos são salários milionários, carros e imóveis de luxo e todo tipo de regalias  que os jogadores têm a sua disposição. A realidade é bem diferente, porém.

Os levantamentos sobre as condições de salário e de vida dos jogadores de futebol mostram que 76% recebem até dois salários mínimos, 21% até vinte salários e apenas 3% recebem os altos salários tão exaltados.

Pior é a condição de trabalho desses atletas. No ano passado, ao participar de uma “peneira” no Vasco da Gama (um dos maiores clubes do País), um jovem de 14 anos passou mal e, sem o devido atendimento, morreu antes mesmo de chegar ao hospital. No início deste ano, outro caso chamou atenção pelo tratamento dispensado aos atletas. Neto Maranhão, de 28 anos, jogador do Potiguar, da cidade de Mossoró (RN), sofreu uma parada cardiorrespiratória e faleceu em campo, debaixo do calor de 34 graus em que o time se preparava para a estreia no campeonato estadual. O Potiguar não tem médico contratado, enfermeiro e nenhum outro profissional da área de saúde. Desmaiado o jogador, necessitando ser levado para um hospital, constatou-se que não havia sequer uma maca no local.

Depois de sua morte, parte da história veio à tona e ficou claro que não se tratou de uma fatalidade. No último clube por que passou, o Biguaçu, de Santa Catarina, foi descoberto que tinha um problema cardíaco que impediria sua continuidade na prática esportiva. Ao se apresentar ao Potiguar, nenhum exame foi feito pelo clube, e alegaram os dirigentes terem recebido exames trazidos pelo próprio jogador.

Quer dizer, para evitar os custos dos exames médicos, o clube transferiu ao jogador toda a responsabilidade sobre sua própria saúde. Um jogador de futebol, aos 28 anos, diagnosticado com problemas cardíacos, precisaria, no mínimo, interromper temporariamente sua carreira para tratamento. Mas a falta de acompanhamento e preparo no início da vida de atleta, o abandono dos estudos e, principalmente, a falta de outra formação profissional, deixam o jogador refém dos clubes e suas imposições. Neto escolheu seguir sua carreira, não para ganhar milhões ou adquirir carros de luxo, mas para conseguir manter sua família e pagar suas contas no fim do mês, como tantos outros trabalhadores que aceitam trabalhos danosos à saúde o fazem para conseguir sobreviver.

Diante do ocorrido, o Sindicato dos Atletas Profissionais do Rio Grande do Norte solicitou à Federação Potiguar de Futebol (FPF) e ao Ministério Público Estadual o adiamento do início do campeonato, com a exigência de que os jogadores façam exames médicos antes de entrar em campo. Prontamente, a Federação se fez contrária ao pedido, alegando que isso representaria “custos para as equipes” e dificultaria a campanha de marketing já em andamento.

Quanto a Neto Maranhão, apenas uma nota de pesar publicada no site da FPF.  Para eles, Neto Maranhão é só mais um trabalhador morto em serviço, mas que rapidamente pode ser “reposto” por alguma jovem promessa vinda da periferia de Natal ou de qualquer outra cidade do interior do Rio Grande do Norte, empobrecido e castigado pela seca.

Rafael Pires,
membro da coordenação da UJR