A baronesa Thatcher “morreu em paz”, anunciou o porta-voz da família da antiga primeira ministra britânica na manhã de segunda-feira. Desapareceu uma das “grandes estadistas” do séc. XX, comentam dirigentes políticos da atualidade e do seu tempo através da Europa e dos Estados Unidos. Na realidade, o legado da “dama de ferro” que durante 11 anos (1979-1990) governou o Reino Unido está à vista de todos nos tempos que passam: a guerra social contra os trabalhadores imposta pelo regime neoliberal globalizado.
A par de Augusto Pinochet, no Chile, e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, Margaret Thatcher foi uma das dirigentes que contribuiu de maneira decisiva para a implantação do regime neoliberal e consequente desmantelamento do papel dos Estados na sociedade, aplicando as teses de Milton Friedman e da chamada “Escola de Chicago”, na linha de Friedrich Von Hayek, o “guru” da “dama de ferro”.
Gerry Adams, o presidente do Sinn Féin e histórico lutador republicano irlandês, declarou a seguir à morte de Thatcher que a ex-primeira ministra britânica “provocou grandes feridas entre os irlandeses e os britânicos” durante o seu consulado. O dirigente irlandês acrescentou que devido à política da ex-primeira ministra, “as comunidades da classe trabalhadora foram devastadas” no Reino Unido. E também a nível internacional, disse, “o seu papel foi igualmente beligerante através do apoio ao ditador chileno Pinochet, da sua oposição às sanções contra o apartheid na África do Sul e do apoio aos Khmeres Vermelhos” no Cambodja.
A guerra contra a greve dos mineiros em 1981 e 1982, para a qual mobilizou efetivos policiais nunca vistos, o combate feroz contra os sindicatos desenvolvido a partir dessa vitória, e a sintonia com a administração Reagan nos Estados Unidos contribuíram para transformar radicalmente a economia mundial no sentido do poder absoluto dos mercados e a minimização do papel dos Estados. A génese da guerra social contra os trabalhadores que caracteriza a situação atual, em que a austeridade é o único meio de combate contra a crise, está no consulado de Margaret Thatcher. O seu “euroceticismo” não evitou que as políticas monetaristas e as teses fundamentalistas neoliberais fossem adotadas na União Europeia na fase do alargamento que seguiu à queda da União Soviética e durante a qual foi lançado o euro. A Srª Merkel é a versão alemã e pan-europeia da Srª Thatcher três décadas depois.
“A Constituição da Liberdade”, de Friedrich Van Hayek, foi a “bíblia” da Srª Thatcher. Van Hayek tinha opiniões com grande atualidade sobre a relação entre a democracia e as crises económicas. “As restrições à democracia podem ser necessárias num período de transição”, declarou o “guru” de Thatcher numa entrevista dada por sinal a um jornal chileno durante a ditadura neoliberal de Pinochet. Dizia ainda Van Hayek que “se a opção totalitária é a única oportunidade que existe num determinado momento, então pode ser a melhor solução”.
Para a História fica uma carta da Srª Thatcher ao seu mentor explicando as razões pelas quais não poderia seguir passo a passo a experiência chilena. “Estou segura (…) de que concorda que no Reino Unido, com as nossas instituições democráticas e a necessidade de elevado grau de consenso, algumas medidas adotadas no Chile são inaceitáveis”. Por vezes, explicava a “dama de ferro”, “o processo poderá parecer dolorosamente lento, mas estou certo de que o concretizaremos à nossa maneira e no nosso tempo. Então ficará para durar”.
Margaret Thatcher também teve a sua guerra de cariz imperial ao impedir a Argentina de assumir o controlo sobre o Arquipélago das Malvinas, conhecido também por Falkland na versão colonial. O conflito permitiu-lhe associar a vertente populista e nacionalista às transformações neoliberais, inventando então o chamado “capitalismo popular”. Por exemplo, a privatização das casas de renda social, tornando cada ocupante um proprietário, fez com que cada família tivesse que pagar mensalmente a um banco várias vezes a verba que até então entregava ao Estado.
Portugal teve o seu papel nessa guerra, ao lado da “dama de ferro”, ao permitir que aviões britânicos utilizassem os Açores à sombra da “velha aliança”, de que os governantes portugueses se esqueceram, por exemplo, durante grande parte da Segunda Guerra Mundial. A confissão dessa colaboração numa guerra de índole colonial foi feita segunda-feira pelo primeiro ministro de então, Francisco Pinto Balsemão, uma das vozes que elegeu Margaret Thatcher como “grande estadista” do séc. XX.
“Aqui na Irlanda”, lembra Gerry Adams, o culto de Thatcher “pelas velhas políticas militaristas draconianas prolongou a guerra e causou grande sofrimento. Recorreu à censura, ao ataque e à morte de cidadãos através de operações secretas, incluindo advogados como Pat Finucane, juntamente com operações militares mais abertas, e recusou-se a reconhecer o direito de voto dos cidadãos nos partidos por eles escolhidos”.
“Margaret Thatcher será especialmente recordada pelo seu vergonhoso papel durante as épicas greves da fome em 1980 e 1981”. Às mãos da “dama de ferro” morreram, nesse episódio, bravos militantes republicanos como Bobby Sands.
José Goulão
Fonte: BE Internacional
Post muito legal! Parabéns