Com um plenário lotado, principalmente por mulheres, a última segunda-feira do mês de março, 25, marcou o encerramento da agenda de audiências dedicadas às mulheres vítimas da tortura no Brasil, realizadas pela Comissão da Verdade de São Paulo, na Assembleia Legislativa do Estado.
Organizada em parceria com a Comissão Nacional da Verdade, a audiência pública Verdade e gênero: a violência da ditadura contra as mulheres contou com a presença de diversas vítimas dessa atrocidade e também de representantes dos movimentos de mulheres de várias regiões paulistas.
Na mesa presidida por Adriano Diogo, deputado estadual e presidente da Comissão Paulista, estiveram presentes Paulo Sérgio Pinheiro, Rosa Maria Cardoso e Maria Rita Kehl, membros da Comissão Nacional.
A ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, Eleonora Menicucci de Oliveira, também esteve presente e fez um emocionado discurso sobre Inês Etienne Romeu, única sobrevivente da Casa da Morte, centro de tortura e desaparecimento forçado localizado em Petrópolis, no Rio de Janeiro.
Inês, que não pôde estar presente ao ato devido a sérios problemas de saúde, foi homenageada não somente por ter suportado por 96 dias as mais terríveis torturas, sendo vítima de estupros e todo tipo de humilhação enquanto esteve sequestrada, mas também por reconhecimento ao corajoso depoimento que fez após conseguir se libertar, enganando os torturadores ao fingir que havia virado aliada da repressão, o que permitiu que viesse a público a existência da Casa da Morte e de vários companheiros de que ela presenciou a prisão e assassinato.
A filósofa Ivone Gebara proferiu uma palestra, na audiência, em quetratou do tema verdade e gênero e relatou que o ódio particular que os torturadores sentiam pelas mulheres tinha raízes da sociedade patriarcal. Era como se essas mulheres estivessem no lugar errado e sua coragem de romper com o que a sociedade esperava delas – donas de casa, dóceis e amáveis – despertasse neles uma raiva irracional.
Um dos momentos mais emocionantes do evento foi o relato da companheira Amelinha Teles sobre a tortura que ela mesma sofreu. Os filhos de Amelinha foram sequestrados junto dela, seu companheiro, César, e sua irmã grávida, Crimeia. Amelinha contou que os torturadores levaram os filhos para vê-la naquela situação: torturada, urinada, com fezes, humilhada. “Eles usaram a maternidade contra nós”, disse.
Pela primeira vez publicamente, depois de 40 anos e toda sua história de luta em busca de justiça, Amelinha descreveu a violência sexual que sofreu na prisão. Estava amarrada à cadeira do dragão (instrumento de tortura, uma cadeira à qual o prisioneiro fica amarrado enquanto toma choques elétricos), quando o torturador Lourival Gaeta, conhecido por “Mangabeira”, começou a masturbar-se na sua frente. Ao ejacular, lançou o sêmen em cima de seu corpo. Amelinha desabafou: “Não gosto de falar sobre isso, mas sei da importância de tratar desse assunto, da desigualdade entre homens e mulheres na hora da tortura. Eles usaram da desigualdade para nos torturar mais”.
Vivian Mendes,
assessora da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” e militante do PCR