Somos dessa geração de jovens da Revolta da Tarifa. Nascidos nos anos 1980, adolescentes nos anos 1990, jovens nos primeiros anos deste século. Crescemos todos debaixo da pressão ideológica das batalhas vividas pela geração anterior. Quando ruiu a União Soviética, a classe capitalista massacrou nossa geração com o discurso do fim da história, apoiada, com muito ou pouco entusiasmo, por ideólogos, professores e líderes ditos de esquerda.
Era preciso resistir. Vencida a Ditadura, realizado o Fora Collor, passamos pelos anos ultraimperialistas (neoliberais) com várias baixas. O que sempre incomodou em todos esses anos foi o discurso quase unânime da centro-esquerda institucional de que os tempos eram muito difíceis, que era preciso abrir mão de certos princípios e de que não era possível realizar greves nem manifestações de maior envergadura. Defendiam ontem o que a direita defende hoje: baixemos as bandeiras.
Nesse período, as universidades foram o espaço mais privilegiado para a propagação do discurso reacionário, travestido de pós-moderno. Falaram e repetiram que as ideologias estavam com prazo de validade vencido, que a classe trabalhadora não podia mais ser senhora da história e que, portanto, trabalhar por uma mudança profunda, revolucionária, no Brasil e no mundo já não era mais possível.
Seguiram esse caminho os que foram fazendo mais e mais concessões para vencer eleições de cartas marcadas no campo institucional. Pagaram demasiado caro. Ingênuos e infantis, fortaleceram e renovaram uma direita fisiológica, enquanto pensavam que fortaleciam a si próprios. Dentro de diferentes níveis de governos, chocaram o ovo da serpente.
A Revolta da Tarifa teve seu salto de qualidade com duas grandes marcas inquestionáveis. A primeira é a marca da indignação em virtude das profundas injustiças vividas pela maior parte do povo. Essa indignação se manifesta em temas como a Copa, os serviços públicos, os direitos individuais e a corrupção. Todos que vão para a rua estão indignados.
A segunda marca é a da decepção, e é aqui a direita encontrou a chave para crescer. Depositário da esperança popular durante a última década, o Partido dos Trabalhadores decepcionou e perdeu a confiança dos setores populares. Pior. No Governo Dilma ficou surdo e avesso às críticas, fazendo propaganda triunfalista através da Copa e de obras faraônicas, enquanto a gigantesca desigualdade social permanece.
Desiludidos com o PT, uma parte considerável da juventude passa a negar o conjunto dos partidos e a fazer uma negação da política que é um prato cheio para os fascistas que permanecem impunes e ativos desde o fim da Ditadura. A covardia de não punir os torturadores e assassinos do regime militar dá aqui os seus frutos.
A revolta da tarifa é produto de uma série de manifestações da juventude e dos trabalhadores que desembocaram no que hoje está acontecendo. Citarei algumas, provavelmente esquecendo outras: Revolta do Buzu (Salvador, 2003), Amanhã vai ser maior (Florianópolis, 2005), Rebelião contra o aumento (Recife, 2005), além da revogação do aumento em Porto Alegre e Goiânia neste ano. É também acumulo da retomada das greves, em 2012, da luta dos índios e dos camponeses.
É, portanto, um momento fundamental na história do Brasil, onde não cabe lugar para o medo, a paralisia e a confusão. Chegou a hora de a classe trabalhadora e da periferia falarem. Se o Governo Dilma não guinar à esquerda, será cúmplice, por omissão, dos fascistas que, com financiamento estrangeiro, trabalham para criar as condições para um golpe no povo brasileiro.
O povo brasileiro já mostrou que tem consciência política e disposição de luta, tanto os jovens quantos os adultos. É momento de ocupar as ruas defendendo nossas bandeiras de reestatização das estatais privatizadas, terra para quem nela trabalha, casa para quem está sem casa, emprego digno, mais verbas na educação e saúde, punição para os torturadores e corruptos de ontem e de hoje. Que ninguém mais use como desculpa a falta de consciência do povo para não trabalhar por mudanças profundas neste País!
Sandino Patriota,
ex-vice presidente da UNE e militante do PCR