Stalin costumava perguntar, durante as sangrentas batalhas em Stalingrado e nos arredores de Moscou, capital que ele nunca pensou abandonar, os invasores nazistas já enfraquecidos, e seus aliados fascistas, as tropas italianas, já derrotados, o seguinte: “Quantas divisões tem o papa Pio 12?”, o grande admirador de Hitler.
No dia 7 de março último, a Folha de S. Paulo, na seção Mundo, publicou as duas fotos acima, uma delas de duas venezuelanas da classe alta, sem dúvida carregadas de joias e com roupas caríssimas, recebendo abrigo na Flórida, festejando histericamente a morte de Hugo Chávez. Tive vontade de perguntar: “Quantas divisões elas têm?” Centenas de divisões made in USA. E quantas divisões tem a mulher venezuelana da outra foto, vestida humildemente, chorando de todo coração a morte do Comandante? Resposta: milhões de patriotas que são a maioria absoluta da Venezuela.
Também vi a publicação Aventuras na História, da Editora Abril, que na sua capa escreve: “Stalin contra-ataca: o ditador nunca foi tão adorado. Por que o homem que exterminou 20 milhões de soviéticos volta a ser venerado sessenta anos depois de sua morte?”. E, se isso não bastasse, diz Patrícia Hargreaves, diretora da redação: “Poucos personagens da história foram mais perversos que o georgiano Josef Stalin, líder da União Soviética por trinta anos, de 1992 até sua morte em 1953. Ele sempre aparece em companhia de gente como Mao Tsé-Tung, Gêngis Khan, Átila, o Huno, e assemelhados. Não por acaso, um de seus ídolos era Ivan, o Terrível, um czar que fez valer o epíteto.
Nem menciona Hitler, que cometeu o maior genocídio da história, ampliado com a invasão da União Soviética em 1941, na chamada Operação Barbarossa. Os milhões de vítimas civis, entre eles poloneses, judeus, ciganos, iugoslavos. Os nazistas entraram nos colcozes, as fazendas coletivas soviéticas, enchendo os gigantescos celeiros de madeira com centenas de camponeses, homens, mulheres, velhos, crianças, cercando os celeiros com os Eisensatzgruppe, os Grupos Especiais, pondo fogo por dentro, atrás das portas fechadas, sem deixar ninguém sair e, se alguém tentava escapar, era metralhado no ato.
Será que a Patrícia Hargreaves esqueceu que os nazistas germânicos causaram todo esse inferno da Segunda Guerra Mundial? Será que ela achou que Hitler não deveria ser incluído na lista de, segundo ela, os maiores montros da humanidade?
Quanto à Grande Fome a que ela se refere, o historiador britânico Anthony Beevor, autor do famoso livro Stalingrado, baseado nos documentos liberados recentemente, dos arquivos do Exército Vermelho e do Exército do Reich alemão, mostra claramente que, se Stálin não tivesse conseguido derrotar nos anos de 1930 os grandes donos de terras ucranianos, e não tivesse transferido esses grandes proprietários para a Sibéria, se Stalin não tivesse feito a coletivização agrária, esses grandes donos de terra, se tivessem ficado na Ucrânia, eles se teriam aliado aos alemães – e o destino da guerra teria sido o triunfo arrasador dos nazistas. Será que Patrícia Hargreaves preferiria que o resultado final tivesse sido a vitória esmagadora dos autores do holocausto?
Ela critica Stalin, dizendo que nenhum país teve mais vítimas na Segunda Guerra do que a URSS, com 24 milhões de pessoas. Pergunto: pessoas ou soldados? As vítimas britânicas foram 450 mil, as vítimas americanas, 300 mil. Patrícia Hargreaves observa espantosamente que Stalin usou esses 24 milhões de soviéticos como… “bucha de canhão”!
Assim ela ignora os fatos de que nenhuma força aliada conseguiu frear a invasão sangrenta e bárbara e de que nem a França, com a famosa Linha Maginot, não levou nem dez dias para ser derrotada, e de que a Polônia caiu em seis dias, de que os austríacos e tchecoslovacos foram engolidos, de que a Iugoslávia se tornou uma resistência clandestina permanente, com seus famosos partisans não tendo parado de lutar nas florestas – mas apesar disso o caminho foi aberto para as tropas nazistas entrarem em 1941 na União Soviética. Pela tática de terra arrasada usada pelo Exército Vermelho em sua retirada, os soldados nazistas não puderam aproveitar os frutos da terra por eles recém-ocupada, enquanto aguardavam reforços de Berlim. Foi isso que causou a Grande Fome.
Baseado nos documentos soviéticos e nazistas, o historiador Beevor fez uma grande descoberta: não foi o “General Inverno” que venceu os alemães. O fator decisivo que ele menciona é que, bem escondidas nos confins do leste da Sibéria, foram instaladas centenas de colcozes, que produziram três mil tanques do famoso modelo T-50, com aço de espessura de 5 centímetros, o dobro da espessura do aço dos tanques alemães, britânicos e americanos.
Nem os agentes de espionagem, nem nazistas, nem britânicos, nem americanos, conseguiram descobrir essas colcozes. Nem previram a surpresa que o marechal Jukov preparou com esses três mil tanques, cercando as tropas de Von Paulus dentro de Stalingrado. Os sitiantes foram sitiados.
Imaginem se Stalin não tivesse conseguido fazer essa coletivização! De onde chegariam os tanques salvadores não só da União Soviética como do Ocidente? Do céu?
Essa grande vitória em Stalingrado enfraqueceu todos os frontes de batalha alemães, em Moscou, na África do Norte e impediu o cumprimento da estratégia de pinças dos nazistas, com as tropas de Von Paulus vindo de Baku (onde ele não conseguiu chegar, por causa da derrota em Stalingrado) e as tropas de Rommel vindo do Egito. O plano era que Von Paulus e Rommel iriam se encontrar na Jordânia. Rommel foi derrotado e restou o perigo da bomba atômica em preparação pelos os alemães de Von Braun (que com a derrota da Alemanha foi trabalhar para os Estados Unidos).
Stalin e seu Comitê Central conseguiram conduzir os milhões de soldados, chamados por Patrícia Hargreaves de “bucha de canhão”, que perseguiram os alemães em fuga, atravessando a Polônia, liberando os poucos sobreviventes dos campos de extermínio Auschwitz, Treblinka, Maidanek, virando a Blitzkrieg (“guerra-relâmpago”) contra os seus inventores alemães. Conquistaram o famoso bunker de Hitler, encontrando na entrada os esqueletos do Fuehrer e sua mulher recém-casada Eva Braun e os cadáveres do casal Goebbels.
Vou mencionar os motivos pelos quais, apesar do 20° Congresso do PCUS, nunca abandonei minha admiração por esse ser fenomenal que, apesar dos erros cometidos ao longo dos trinta anos em que encabeçou a União Soviética, conseguiu manter esse continente-colosso formado pela União Soviética e a China, enfrentando tantas intervenções durante décadas, e transformar um país atrasado em um país industrializado, que foi o único a conseguir enfrentar e derrotar esse perigo que nem foi mencionado por Patrícia Hargreaves.
Minhas visão pessoal
Milhões de judeus buscando abrigo, fugindo dos carrascos, das câmaras de gás, encontraram só portas fechadas em todos os países e continentes. Foram forçados a voltar para as câmaras de gás. Os únicos que abriam as portas, as fronteiras, para esses fugitivos, foram os membros do Comitê Central presidido por Stalin. Os soviéticos salvaram 3 milhões de judeus que procuravam escapar das tropas nazistas as quais estavam em progressão, até o ponto de a URSS fundar em seu território o Estado judaico de Birobidjan, longe do perigo, na protegida Sibéria.
Se Stalin tivesse cometido esses “crimes” mencionados por Patrícia Hargreaves, seriam contados, ao invés de 6 milhões de judeus assassinados, 9 milhões de judeus assassinados.
Em 1942 eu tinha dez anos e morava em Haifa, na Palestina. Já nos preparávamos para enfrentar o perigo bem real do cerco de Von Paulus pelo norte e Rommel pelo sul. Fui um dos milhares de jovens voluntários encarregados de limpar as enormes cavernas do vale de Roshmia, no monte Carmelo, para preparar os esconderijos em que se abrigariam os que iriam enfrentar as tropas nazistas dos Einsatzgruppen. Durante semanas, depois das aulas na escola, eu ajudava a transformar as cavernas em moradias. Depois da vitória do Exército Vermelho em Stalingrado esse plano alternativo de resgate foi cancelado. Podíamos respirar livremente.
Passaram-se seis anos. Em 1948, fui recrutado para participar do início da defesa das fronteiras marcadas pela ONU para o Estado judeu, contra a invasão armada dos países vizinhos, colonizados pelos ingleses. Não havia armas suficientes. O mundo ocidental declarou um embargo. Estávamos quase em colapso. Com surpresa chegou a ajuda da Tchecoslováquia, por ordem do Comitê Central presidido por Stalin. Os tchecos mandaram milhares de fuzis, centenas de metralhadoras, que nos ajudaram, a nós jovens, a frear os invasores. Nosso destino de conseguir a libertação do Mandato britânico estava de acordo com o que preconizava a ideologia soviética. Viramos, por curto prazo, parceiros dos soviéticos. Graças ao Comitê Central da União Soviética de Stalin, foi possível estabelecer o Estado judeu no Oriente Médio.
O prestígio de Stalin
Dá para entender o fato de que, sessenta anos depois de sua morte, a popularidade de Stalin volta a ser venerada na Rússia. Não é difícil de entender: a maioria dos habitantes da ex-União Soviética tornaram-se de novo uma maioria de classe baixa, de falta de liberdades econômicas, das desigualdades crescentes, do desamparo com a falta de planos de saúde, enquanto a educação e a moradia comem quase tudo do salário, e o desemprego está crescendo enormemente. Só uma minoria pequena dos 200 milhões de russos gozam de um nível de vida bem alto. O maior número de donos de carros Jaguar, Bentley e Rolls-Royce, em todo o mundo, são integrantes da Máfia russa, que domina o país. Por que estranhar o fato de que a maioria da população está coletando dinheiro, como foi mencionado no arquivo de Patrícia Hargreaves, para reconstruir as estátuas de Stalin que foram destruídas, e exigindo do nome de Staligrado para a cidade hoje chamada de Volgogrado?
Raras vezes se encontra um povo nessa situação de revolta geral, numa situação tão dura, tão trágica, de se jogar de peito aberto contra as metralhadoras dos nazistas. Não são “bucha de canhão”. Sua luta foi igual à nossa para nos libertar dos colonialistas ingleses, com nossos peitos expostos às metralhadoras britânicas. E agora nos encontramos com os venezuelanos na mesma situação em que a grande maioria pega nas mãos o seu destino. Será isso que, sessenta depois da morte, leva à veneração de Stalin? Exatamente sessenta anos depois da morte de Stalin morreu Chávez.
Gershon Knispel, artista plástico
Fonte: Caros Amigos